Formação continuada de professores: caminho para a melhoria da qualidade da educação

Fabio Ribas
05/02/2018

Uma das principais condições para a melhoria da qualidade da educação brasileira é o aprimoramento das estratégias de formação dos professores que atuam na educação básica – que inclui a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio.

O Censo Escolar de 2017 oferece um painel quantitativo do nível de escolaridade dos professores brasileiros. No total, são 557.541 na educação infantil, 1.526.468 no ensino fundamental e 509.814 no ensino médio.

Na educação infantil, 67,2% dos professores possuem nível superior completo (65,9% têm superior completo e licenciatura), 8,5% estão com o curso superior em andamento, 18,1% têm curso normal/magistério, 5,7% possuem nível médio completo e 0,5% nível fundamental completo.

Entre os que atuam nos anos iniciais do ensino fundamental, 76,2% têm nível superior completo (74,4% têm superior completo com licenciatura), 6,5% estão com o curso superior em andamento, 12,9% têm curso normal/magistério e 4,4% têm nível médio ou inferior. Nos anos finais do ensino fundamental, 85,3% dos docentes possuem nível superior completo (82,0% têm superior completo com licenciatura), 6,0% estão com o curso superior em andamento e os demais possuem escolaridade mais baixa.

Embora muitos professores de escolas de educação infantil tenham formação em nível de ensino médio com habilitação em magistério, ou em nível superior, ainda é comum a existência de educadores em creches e escolas de educação infantil voltados basicamente para o cuidado protetivo das crianças, sem maior focalização no seu desenvolvimento cognitivo e social.

No que se refere aos professores do ensino fundamental e do ensino médio, há consenso entre especialistas quanto à fragilidade da formação universitária especialmente na esfera das competências didáticas. Até mesmo professores que apresentam bom domínio do conteúdo de suas áreas de conhecimento costumam ter dificuldades para empregar práticas de ensino que favoreçam o aprendizado dos alunos. Os cursos de licenciatura deveriam buscar desenvolver nos futuros professores disposições e capacidades que os ajudem a compreender a condição subjetiva e social dos alunos para sintonizar as metodologias de ensino ao perfil dos estudantes, a dialogar com os demais professores para buscar aprimoramentos no currículo escolar e a estabelecer relações de cooperação entre a escola e a comunidade local.

Essas capacidades dificilmente poderão ser desenvolvidas apenas durante o processo de formação escolar dos professores. É preciso que as Secretarias Estaduais e as Secretarias Municipais de Educação promovam e organizem processos de formação continuada ou em serviço, que ajudem superar carências da formação escolar dos professores e contribuam para a melhoria da qualidade do ensino. Os gestores das redes públicas de ensino podem planejar e desenvolver ações de formação continuada em diálogo com universidades locais que formam professores, recebendo contribuições delas e, ao mesmo tempo, ajudando-as a aprimorar seus próprios processos de formação.

Estudo realizado pelo IPEA em 2014 indaga “se as rotas institucionais para o exercício das carreiras de magistério da educação básica são eficazes no país e o que poderia ser feito para incrementá-las neste sentido”. Os autores do estudo analisam três questões consideradas centrais no debate sobre docência na educação básica: titulação adequada, precarização dos vínculos de trabalho e baixa atratividade financeira da carreira.

No que se refere às duas últimas questões – precarização dos vínculos de trabalho e baixa atratividade financeira da carreira – o estudo destaca pontos críticos que afetam fortemente a qualidade do trabalho docente e não podem deixar de ser atacados. Cerca de 25% dos professores das escolas públicas têm contratos temporários ou são terceirizados. No ensino médio, a proporção de terceirizados ou temporários ultrapassa 30% nas redes estaduais, chegando a mais de 40% em algumas disciplinas. Os baixos salários e a falta de reconhecimento e de plano de carreira afastam da profissão docente os melhores alunos dos cursos de formação de professores. Esses problemas precisam ser enfrentados, sem o que dificilmente os profissionais bem qualificados se interessarão em atuar como docentes na educação básica pública.

No que se refere à titulação, o estudo do IPEA aponta a existência de um número proporcionalmente maior de professores sem titulação adequada no ensino médio, nas áreas de química, física e biologia. Mas os autores do estudo enfatizam que o fator mais importante a considerar é o tipo de formação que os professores estão recebendo nos cursos de licenciatura e nos programas especiais de formação pedagógica.

Com a expansão relativamente descontrolada do ensino superior, as fragilidades na formação de professores aumentaram. Esse é um problema que vem atingindo a formação de profissionais de outras áreas, tais como a medicina. Especialistas da área médica enfatizam que a formação médica completa e adequada exige seis anos de curso em período integral e mais cinco anos de residência. Drauzio Varella apontou, em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, que um número crescente de alunos de medicina com preparo deficiente é reprovado em concursos de residência médica e passa a atender pacientes sem percorrer essa fase prática essencial para o aprendizado clínico.

No caso dos professores da educação básica, a fase prática (que seria análoga à etapa de residência médica) começa apenas no momento de sua inserção nas escolas, quando terão diante de si a tarefa de ensinar. Daí a importância da existência de programas qualificados de formação continuada ou em serviço, que possibilitem o aprimoramento da capacidade pedagógica dos docentes.

Em 2017 a Fundação Carlos Chagas publicou o estudo intitulado Formação Continuada de Professores: contribuições da literatura baseada em evidências . Esse estudo apresenta uma síntese dos resultados e conclusões de estudos empíricos que avaliaram a eficácia de programas de formação continuada de professores em diferentes países.

Conforme apontado na introdução do estudo, diversos programas compensatórios de formação de professores têm sido implementados no Brasil nos últimos anos com a finalidade de suprir deficiências na formação básica desses profissionais. A ausência de informações sobre o impacto desses programas na melhoria dos processos de ensino e aprendizagem foi um dos principais motivadores do estudo Fundação Carlos Chagas, que identificou as seguintes características comuns de programas considerados eficazes para a formação continuada de professores:

1) Foco no conhecimento pedagógico do conteúdo: são mais eficazes os programas que buscam capacitar os professores para compreender como os conteúdos de suas disciplinas estão estruturados e articulados entre si, a fim de que eles possam explicar assuntos específicos de sua matéria e levar seus alunos a aprendê-los.

2) Métodos ativos de aprendizagem: programas de formação eficazes não abordam os conteúdos apenas de forma teórica ou conceitual, mas criam situações para que os professores observem especialistas dando aulas, sejam observados dando aulas e recebam feedback sobre sua forma de atuação, planejem novas formas para trabalhar conteúdos em sala de aula, etc.

3) Participação coletiva: programas eficazes vão muito além de aulas expositivas e estimulam o diálogo e a cooperação entre os professores participantes e entre estes e os formadores, de forma que todos possam intercambiar problemas que enfrentam no dia a dia das escolas e valorizem a construção de uma compreensão comum sobre objetivos e estratégias de ensino.

4) Duração prolongada: programas eficazes devem ter uma duração que seja suficiente para permitir um contato mais significativo com os formadores, que possa ser eventualmente desdobrado. Workshops curtos e isolados são insuficientes para promover mudanças profundas e sustentáveis na prática docente.

5) Coerência: para que tenham impacto significativo, os programas de formação continuada devem procurar abordar as articulações que a prática docente deve manter com as políticas públicas que devem orientar o trabalho das escolas, com o contexto e as prioridades de cada escola, com as necessidades dos docentes, com os achados de pesquisas recentes e com recomendações das associações profissionais.

Esses achados podem contribuir para o planejamento, revisão ou aprimoramento dos programas de formação continuada de professores no Brasil, que devem ser priorizados pelos gestores das redes públicas de ensino, monitorados e avaliados com envolvimento ativo dos diretores e equipes escolares, para que se tornem estratégias de ação permanente nas políticas estaduais e municipais de educação.