Educação e proteção da população idosa na área financeira

Fabio Ribas
28/02/2020

Um dos principais desafios para o aprimoramento das políticas públicas direcionadas às pessoas idosas é a criação de serviços e programas que reduzam e previnam problemas financeiros que atingem principalmente as parcelas mais vulneráveis desse segmento da população.

Nos últimos anos, diferentes instituições vêm apontado a existência de uma tendência de crescimento desse problema. Um exemplo vem do Estado de Pernambuco: o Centro Integrado de Atenção e Prevenção à Violência Contra a Pessoa Idosa informa que, em 2019, o número de denúncias de violências financeiras contra idosos aumentou em 272% naquele Estado. Por ser um problema que, na maioria das vezes, atinge idosos com autonomia reduzida ou idade mais avançada, e envolve familiares ou agentes que se apresentam como apoiadores ou prestadores de serviços que seriam do interesse das pessoas idosas, a subnotificação dos casos certamente é muito grande. É razoável supor que a incidência do problema seja bastante alta no território nacional.

“Violências financeiras” são práticas ilícitas tais como apropriação indébita do benefício ou salário de pessoa idosa por familiar ou por terceiro, retenção do cartão bancário da pessoa idosa sem que seja repassado a ela o valor integral de seu benefício ou aposentadoria, estabelecimento de relação de confiança para levar a pessoa idosa a assinar documento dissociado de suas reais necessidades e interesses (por exemplo, contratação de um empréstimo que acabará sendo apropriado por terceiro),  etc. O artigo 102 do Estatuto do Idoso (Lei Federal nº 10.741/2003) define como crime o ato de “apropriar-se de, ou desviar, bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento do idoso, dando-lhes aplicação diversa da de sua finalidade.”

Não é fácil delimitar uma linha divisória entre problemas financeiros gerados por violências como as acima indicadas, e fragilidades ou características pessoais e sociais diversas que podem gerar dificuldades financeiras para pessoas idosas. Levantamento realizado pela Prattein junto aos Conselhos dos Direitos da Pessoa Idosa de 151 municípios, distribuídos em 23 Estados da Federação, apontou as violências financeiras ou patrimoniais (intrafamiliares ou cometidas por agentes externos) como a segunda violação de direitos mais frequente na visão dos Conselheiros Municipais, superada apenas pelas violências domésticas (entre as quais se incluem abandono, maus tratos ou negligência dos familiares no que se refere à adoção de condutas protetivas em relação a seus parentes idosos). Estes dados sugerem a existência de interfaces entre relações familiares fragilizadas e incidência de violências financeiras contras pessoas idosas.

Entre as consequências das violências financeiras está o crescimento do endividamento das pessoas idosas cuja renda mensal (em muitos casos derivada da aposentadoria) desempenha papel importante na manutenção das necessidades básicas de seus familiares. Segundo pesquisa realizada pelo SPC Brasil , 43% dos idosos brasileiros são os principais responsáveis pelo sustento da casa; no entanto, apenas 48% deles controlam de forma mais efetiva suas finanças. Se uma pesquisa como esta for realizada junto aos segmentos mais vulneráveis e menos escolarizados da população idosa, os números provavelmente serão ainda mais preocupantes.

O enfrentamento desse problema deve incluir não apenas ações voltadas ao controle dos fatores sociofamiliares geradores de violências financeiras, mas também a criação de programas de educação financeira das pessoas idosas, tendo em vista não apenas a proteção desse segmento da população, mas também a promoção do desenvolvimento social sustentável.

Segundo dados do IBGE, no ano de 2015 65,5% dos idosos que estavam inseridos no mercado de trabalho tinham apenas ensino fundamental incompleto, ou seja, ocupavam postos de trabalho de menor qualificação. Esses idosos tiveram inserção precoce no mercado de trabalho, com 24,7% deles tendo começado a trabalhar com até 9 anos de idade e 43,0% com 10 a 14 anos. Até mesmo em um país como a Coréia do Sul a proporção de idosos pobres é alta: alcança 48,8%, segundo dados da OCDE. Contudo, isto não significa que as pessoas idosas mais pobres não possam ser educadas para compreender e controlar aspectos relevantes de sua vida financeira. Se tiverem sua autonomia intelectual preservada, e se tiverem acesso a boas práticas de educação financeira, certamente desenvolverão capacidades de gestão de suas finanças pessoais.

A OCDE define educação financeira como “o processo pelo qual consumidores e investidores financeiros aprimoram sua compreensão sobre produtos, conceitos e riscos financeiros e, por meio de informação, instrução e/ou aconselhamento objetivo, desenvolvem as habilidades e a confiança para se tornarem mais conscientes de riscos e oportunidades financeiras, a fazer escolhas informadas, a saber onde buscar ajuda, e a tomar outras medidas efetivas para melhorar seu bem estar financeiro“.

Estudos sobre educação financeira de idosos de baixa renda e sobre práticas de consumo em idosos de camadas populares apontam aspectos que devem ser considerados no planejamento de programas educativos voltados a essa população, tais como:
– conhecimento prévio das formas de raciocínio, valores e atitudes dos idosos de baixa renda em relação ao mercado de consumo, e das suas compreensões sobre temas como crédito, planejamento e investimento;
– criação de contextos de aprendizagem em que as pessoas idosas possam refletir sobre as suas relações com o dinheiro e adotem práticas conscientes de uso de cartões de crédito e de tomada de empréstimos;
– emprego de recursos pedagógicos sintonizados com a realidade das pessoas idosas, que possam auxiliá-las na classificação e registro de suas rendas e despesas, e no controle do orçamento mensal.

No caso das pessoas idosas com perda relativa ou mais intensa da autonomia intelectual e da independência para tomada de decisões e controle de sua vida pessoal, e que não possam ser alcançadas por programas de educação financeira, será preciso ampliar e fortalecer ações voltadas ao registro de denúncias e à proteção social contra a ocorrência de violências financeiras e violências domésticas.

Os Conselhos dos Direitos da Pessoa Idosa devem incluir entre suas prioridades a realização de diagnósticos municipais que mapeiem a incidência de violências domésticas e financeiras contra pessoas idosas em cada município, e que orientem ações voltadas à prevenção desses problemas. Programas de educação financeira de pessoas idosas deverão estar entre as propostas derivadas desses diagnósticos.

Para realizar diagnósticos e elaborar planos municipais, os Conselhos Municipais dos Direitos da Pessoa Idosa podem utilizar o Guia Conhecer para Transformar, elaborado pela Prattein para apoiá-los nesta que é sua atribuição principal: definição de prioridades e programas de garantia dos direitos da população idosa, cuja efetivação deve ser prevista nas leis orçamentárias municipais.