Desigualdade na cidade de São Paulo: primeira infância negligenciada

08/12/2017
Raquel Freitas

A cidade de São Paulo tem 96 distritos e a enorme diferença entre eles foi registrada e divulgada no começo de dezembro no Mapa da Desigualdade 2017, produzido pela Rede Nossa São Paulo. Nesse diagnóstico foi analisada a oferta de serviços como cultura, educação, esporte, habitação, inclusão digital, meio ambiente, saúde, trabalho e renda, transporte, acidentes de trânsito e violência. O resultado mostrou a acentuada desigualdade na capital mais rica do país, que atinge diretamente crianças de 0 a 6 anos.

O estudo incluiu a elaboração de um Mapa da Desigualdade na Primeira Infância na cidade de São Paulo. Esse mapa deixa claro que o bairro de nascimento está fortemente correlacionado com qualidade de vida e o grau de desenvolvimento (satisfatório ou não) de cada criança. Considerando a vida da criança desde a gestação, passando por aspectos como o número de consultas de pré-natal a que a mãe teve acesso e a quantidade de consultas do bebê ao pediatra, o mapa mostra as diferenças existentes entre os vários territórios do município. Enquanto no bairro Jardim Paulistano de cada 100 gestantes apenas uma é adolescente, no bairro Marsilac (extremo da zona sul) esse número sobe para 22 adolescentes grávidas. O tempo de espera para uma consulta médica no bairro Brasilândia é de 41 dias, enquanto no bairro do Morumbi é de apenas 2 dias. De cada mil crianças nascidas no bairro do Pari, 27 morrem na primeira infância. Esse número é de apenas 1 no bairro de Pinheiros.

Percebe-se que os locais que concentram os maiores números de negligências e vulnerabilidades situam-se nas extremidades da cidade, periferias da zona sul e da zona leste. Esse diagnóstico vivo da cidade de São Paulo aponta territórios que deveriam ser priorizados pelas políticas públicas. Os indicadores sociais deveriam ser a base para implantação, ampliação ou aprimoramento de serviços e programas nesses territórios.

O mapa também revela situações interessantes. Apesar do bairro de Guaianazes estar localizado no extremo da zona leste, lá o tempo de espera por vaga na creche é o menor da cidade: a espera é de apenas 25 dias. No evento “Gestão dos Projetos Sociais nos Territórios, ocorrido no Senac São Paulo, Dirce Koga, doutora em Serviço Social, apontou que este bairro tem lideranças locais bem articuladas que, por meio de mobilização comunitária, pressionam o poder público e têm suas reivindicações respondidas. O resultado foi a construção de mais creches nesse bairro.

O Mapa da Desigualdade na Primeira Infância sugere ações para a redução das desigualdades, cuja efetivação depende não só do poder público, mas também da sociedade civil, aí incluído o setor empresarial.

No que se refere ao Poder Executivo Municipal, algumas dessas ações seriam as seguintes: concentração de esforços para a implementação do Plano Municipal pela Primeira Infância (recém-instituído pela Lei nº 16.710/2017); fortalecimento do diálogo e da cooperação entre as Secretarias Municipais  e as organizações do Terceiro Setor para disseminação e ampliação do alcance de determinadas ações; aperfeiçoamento do sistema de acesso a informações sobre as políticas voltadas à primeira infância; priorização, no orçamento municipal, de investimentos em territórios mais vulneráveis, com descrição que permita o reconhecimento das ações e recursos direcionados para crianças de 0 a 3 anos e daqueles direcionados para crianças de 4 a 6 anos.

No que se refere ao Poder Judiciário é fundamental que seus agentes acompanhem a implementação das políticas voltadas à primeira infância e garantam o acesso à justiça da população que tiver seus direitos violados.

Quanto à sociedade civil, sua participação democrática é imprescindível para a mitigação das desigualdades. Ela deve participar em fóruns e conselhos municipais, acompanhando e contribuindo para a formulação de políticas públicas voltadas à primeira infância. Aqui, cabe destacar a importância do fortalecimento do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente – órgão composto de forma paritária por representantes do Poder Executivo Municipal e por representantes da sociedade civil organizada, que tem como funções principais a realização de diagnósticos e planos de ação para a garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes que residem no município, e o controle e avaliação dos resultados dessas ações. Cabe ao Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente do município de São Paulo a atualização permanente, e mesmo a ampliação, de um mapeamento de informações sobre a situação das crianças como o que foi realizado pela Rede Nossa São Paulo.

O Mapa da Desigualdade na Primeira Infância também destaca que o setor empresarial deve participar da construção de uma sociedade mais igualitária desenvolvendo e ampliando a política de garantia ao direito da licença maternidade e paternidade e aleitamento materno, promovendo iniciativas inovadoras de apoio à educação integral dos filhos e filhas de seus colaboradores, realizando programas de incentivo à convivência familiar. As empresas poderiam usar seu poder de influência no mercado para sensibilizar clientes, colaboradores e fornecedores para a valorização do tema da primeira infância. Empresas que possuem fundações, institutos ou programas de investimento social também deveriam priorizar o apoio às políticas municipais de proteção à primeira infância. À medida que a democracia participativa for sendo ampliada no Brasil, os próprios consumidores tenderão a reconhecer e valorizar a adoção de tais atitudes pelas empresas privadas.

Acesse aqui o Mapa da Desigualdade na Primeira Infância em São Paulo

Acesse aqui o Mapa da Desigualdade na Cidade de São Paulo

Acesse aqui a Lei 16.710/2017 que dispõe sobre a política para a primeira infância no município de São Paulo

Acesse aqui matéria sobre a Lei 13.257/2016, que instituiu o marco legal nacional da primeira infância

Acesse aqui matéria sobre políticas públicas para a primeira infância