Educação integral: estratégia para a redução do fracasso escolar e da desigualdade social

No livro Educação Integral no Brasil – Inovações em Processo, Moacir Gadotti aponta que o conceito de educação integral envolve várias dimensões e vai além da simples extensão do tempo escolar – a chamada educação em tempo integral ou jornada estendida. Sem desvalorizar a necessidade de ampliação do tempo que os alunos permanecem na escola ou em uma entidade social que ofereça atividades educativas complementares às que são oferecidas pela escola, Gadotti propõe a ideia de uma escola “integral, integrada e integradora” – uma escola em que a educação se desenvolve como processo multidimensional, articulado a outras políticas setoriais e capaz de aproveitar as oportunidades que os bairros, comunidades e cidades podem oferecer para o desenvolvimento dos alunos.

Assim compreendido, o conceito de educação integral pode orientar a busca de transformações importantes na prática educacional. Porém, como ampliar a oferta de educação integral em um sistema público de educação que, como o nosso, apresenta várias fragilidades?

Educação integral e redução da desigualdade social

É indiscutível a importância da educação para a redução da desigualdade social no Brasil. O desafio que se coloca é fazer com que uma educação de boa qualidade chegue aos estratos mais desfavorecidos da população.

Do ponto de vista socioeconômico, a importância da educação integral é tanto maior quanto mais acentuado for o grau de vulnerabilidade da população. Vários estudos apontam que o nível socioeconômico dos alunos e de suas famílias está diretamente relacionado ao seu desempenho escolar: quanto mais baixo o nível socioeconômico, maior a probabilidade de baixo desempenho escolar dos alunos. Assim, especialmente para a parcela mais pobre da população a oferta de educação integral pode ajudar a reduzir a evasão, a garantir a manutenção da trajetória escolar e a promover melhores índices de aprendizagem.

Estudo publicado pelo IBGE em 2017 revela que 42% das crianças brasileiras de 0 a 14 anos são pobres, sobrevivendo com até US$ 5,5 por dia. Pertencem a famílias com baixa renda e baixa escolaridade, que em sua grande maioria têm dificuldades para criar condições que favoreçam o desempenho escolar e a mobilidade social de seus filhos. Por seu turno, as políticas públicas (entre as quais a educação escolar), em suas atuais condições de operação, não conseguem criar condições que contribuam efetivamente para a superação da barreira intergeracional que dificulta a elevação da escolaridade e da aprendizagem das crianças e dos adolescentes pobres.

O estudo do IBGE revelou também que quanto menor a escolaridade dos jovens, mais cedo eles ingressam no mercado de trabalho: 39,6% dos trabalhadores pesquisados começaram a trabalhar com até 14 anos de idade, o que tende a inibir a continuidade de sua trajetória escolar e a reduzir a probabilidade de obtenção futura de rendimentos mais elevados.

Ranking elaborado pelo jornal Folha de São Paulo com base em dados do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEN) de 2016 mostrou que entre as escolas que aparecem com as melhores médias, somente 12% são públicas e, entre estas, apenas 2,1% são escolas municipais, sendo as restantes federais, técnicas ou de aplicação. Já no grupo das escolas com piores resultados, todas são públicas. Ou seja, a maioria esmagadora das escolas públicas “convencionais” apresenta resultados mais baixos no ENEN e é frequentada predominantemente por alunos com nível socioeconômico mediano, baixo ou muito baixo.

Muitos alunos das camadas mais vulneráveis da população frequentam escolas que possuem recursos humanos e infraestrutura mais frágeis e que estão situadas em territórios de risco. Paradoxalmente, essas escolas são menos alcançadas por políticas e programas de educação integral.

Tudo isto acentua a necessidade de que, entre as estratégias a serem empregadas para o desenvolvimento social e econômico do país, a educação em tempo integral seja priorizada e sua oferta seja estruturada para alcançar especialmente as parcelas mais pobres da população. Para tanto, assim como no Sistema Único de Saúde, o princípio da integralidade da educação precisa ser complementado pelo princípio da equidade: a oferta da educação integral deve necessariamente alcançar as parcelas mais vulneráveis da população e ser adaptada às peculiaridades e diversidades dos grupos e territórios que dela necessitam.

Iniciativas inovadoras de educação integral: perfil e condições de disseminação

Organizações do terceiro setor podem ajudar as redes públicas de ensino na disseminação de estratégias de educação integral que contribuam para a redução do fracasso escolar. Há muitas entidades sociais que oferecem atividades educativas e cuidados protetivos no chamado contraturno escolar para públicos em situação de vulnerabilidade social. Vale destacar que algumas organizações da sociedade civil conseguem alcançar territórios e populações nos quais os serviços públicos estatais não chegam. Parcerias público-privadas bem organizadas, envolvendo Secretarias de Educação e organizações sociais sem fins lucrativos, podem fortalecer as políticas de educação integral.

É preciso, também, ir além da simples extensão do tempo no qual esse grupo de crianças e adolescentes permanece sob proteção de um programa social: a qualidade do que lhes é oferecido nesse tempo ampliado e a natureza do vínculo que a organização social estabelece com as escolas por eles frequentadas, com seus familiares e com as comunidades locais são fatores decisivos para a redução do fracasso escolar.

A Fundação Itaú Social acaba de divulgar uma publicação que apresenta experiências bem-sucedidas de educação integral e proteção social, desenvolvidas por organizações sociais em parceria com escolas municipais. As experiências relatadas (que acontecem nos municípios de São Vicente/SP, João Pessoa/PB, Poço de José de Moura/PB e Poços de Caldas/MG) apresentam as seguintes características:

– Capacidade de alcançar crianças e adolescentes que vivem em territórios críticos e que estão em situação de grande vulnerabilidade social, de compreender suas condições de vida e suas necessidades, e de estabelecer vínculos com lideranças locais e com familiares, mobilizando-os para participação na vida escolar.

– Capacidade de oferecer ao público atendido atividades educativas qualificadas em áreas como cultura, arte, esporte, ciência e tecnologia, cidadania e protagonismo social, expandindo seus horizontes de aprendizado e sua participação na vida comunitária.

– Disposição e empenho em estabelecer diálogo permanente com as escolas frequentadas pelo público, buscando uma compreensão comum dos problemas e uma atuação integrada que contribua para a manutenção e melhoria da trajetória escolar, e para o desenvolvimento do público atendido por ambas as partes.

Ao lado do reconhecimento de iniciativas consistentes de educação integral operadas por organizações sociais em parceria com escolas públicas, é preciso pensar em estratégias para que tais iniciativas possam ser disseminadas.

Para tanto, Secretarias de Educação, atuando em sintonia com Secretarias de Assistência Social, devem identificar organizações da sociedade civil que tenham estrutura e capacidade para atuar em sintonia com as escolas públicas e definir critérios para o desenvolvimento de parcerias.

Um exemplo: a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo abriu processo de escolha de organizações sociais que operem ações voltadas à melhoria da educação. O pagamento dos serviços prestados pelas organizações que forem escolhidas dependerá do cumprimento de metas como o avanço na taxa de conclusão do ensino médio e o aumento do índice de aprovação nas escolas frequentadas pelos alunos que forem atendidos.

Por seu potencial de contribuição para a melhoria das políticas educacionais, iniciativas de educação integral devem chegar não apenas ao público do ensino fundamental, mas também aos adolescentes e jovens que frequentam o ensino médio nas escolas públicas. Sabe-se que as maiores taxas de evasão escolar na educação pública são registradas nesse nível de ensino, sendo uma de suas causas principais o desinteresse dos adolescentes e jovens em relação ao conteúdo do ensino que vem sendo oferecido pelas escolas e à forma como esse conteúdo tem sido transmitido.

Em janeiro de 2018 o Ministério de Educação liberou recursos para que escolas públicas de ensino médio ampliem a educação em tempo integral. O repasse será de R$2 mil por aluno/ano para que os Estados ofereçam vagas de Ensino Médio em Tempo Integral. No entanto, a escala dessa iniciativa ainda é pequena. Os recursos liberados permitirão ampliar de 516 escolas de ensino médio financiadas em 2017, para 967 em 2018 que implantarão educação em tempo integral. Segundo o último Censo Escolar da Educação Básica divulgado pelo MEC, em 2017 havia 28.558 escolas de ensino médio no Brasil, das quais 20.287 (ou 71%) são públicas. Ou seja, em 2018 a educação em tempo integral apoiada com recursos do governo federal estará sendo oferecida em apenas 4,8% das escolas públicas de ensino médio.

Fica claro, portanto, que a estratégia precisa ser ampliada com participação ativa da União, dos Estados e dos municípios, que devem reservar valores de seus orçamentos para a formação de parcerias com organizações da sociedade civil que possam fortalecer e ampliar a política de educação integral no país. Recursos disponíveis nos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente também poderão contribuir para a disseminação dessa política, sendo que os programas e projetos financiados por essa fonte devem ser prioritariamente direcionados a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social e sob risco de evasão escolar.