A Base Nacional Comum Curricular e os desafios para a melhoria da educação no Brasil

Fabio Ribas
14/07/2016

Apresentada para discussão pública no início de maio de 2016, a segunda versão da Base Nacional Curricular Comum ainda gera discussões entre educadores e especialistas das várias áreas do conhecimento.

As primeiras análises têm apontando que, em comparação com a primeira, que apresentava evidentes fragilidades, a nova versão traz avanços, mas ainda apresenta problemas a serem equacionados.

A função de uma Base Nacional Curricular Comum é clara: estabelecer quais são os conteúdos fundamentais que os alunos devem assimilar e têm o direito de aprender em cada nível de ensino, sem o que eles terão limitações para seu desenvolvimento pessoal e profissional. Porém, os debates prosseguem, e ainda não há consenso quanto à priorização, nível de detalhamento e progressão no ensino de conteúdos em muitas áreas ou eixos de conhecimento.

Por exemplo, na nova versão da Base Curricular o ensino da Língua Portuguesa está dividido em quatro eixos: 1) leitura; 2) escrita; 3) oralidade; 4) conhecimento sobre a língua e sobre a norma padrão. Entre as questões que vêm sendo levantadas em torno desses eixos está a importância concedida ao ensino da gramática. Na nova versão a gramática só é trabalhada de forma mais efetiva no quarto eixo e mais tardiamente, o que, segundo especialistas, representa um problema na medida em que pode gerar maior fragilidade no domínio da linguagem por alunos cujas condições socioculturais e familiares não favorecem o desenvolvimento prévio de estruturas sobre as quais se assentam o aprendizado da leitura e da escrita. A progressão dos conteúdos ao longo das séries de ensino é outro tema de debates. No caso da língua portuguesa, especialistas apontam que ainda não são suficientemente claros, na nova versão, os níveis de complexidade dos textos que devem ser trabalhados em cada faixa etária para o aprendizado da leitura. Também não é clara a articulação entre os níveis de progressão de habilidades ligadas à leitura e produção de textos.

Na área das disciplinas científicas os debates também prosseguem. Membros da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) têm apontado, por exemplo, que o ensino de conteúdos de disciplinas como Física, Química, Biologia e Matemática deve ocorrer de forma articulada, em perspectiva interdisciplinar, o que ainda não estaria adequadamente explicitado no novo documento da Base Curricular. Apontam também a necessidade de maior valorização curricular de práticas de experimentação, que são fundamentais para que conceitos sejam adequadamente compreendidos e não apenas decorados.

Disputas ideológicas que, na primeira versão da Base Curricular, permeavam a definição dos conteúdos na área da História foram minimizados na segunda versão, que traz uma postura mais equilibrada quanto à focalização das várias culturas e civilizações.

Assim, um primeiro desafio é relativizar divergências para que se possa chegar a um consenso quanto ao que é essencial que os alunos aprendam. Espera-se que esse desafio seja vencido até outubro de 2016 – prazo atualmente proposto para que a Base Curricular seja consolidada.

Acima de tudo, é preciso ter em mente que a nova Base Curricular só cumprirá sua função se for adequadamente assimilada e praticada pelas escolas e pelos professores. Apesar de óbvia, esta é uma observação necessária em um país acostumado a produzir leis, planos e documentos orientadores de políticas sociais e educacionais que, a despeito da relevância de seu conteúdo, acabam tendo uma concretização prática baixa e com muitas variações em face das desigualdades que o sistema público de atendimento apresenta nas várias regiões. A Base Nacional Curricular Comum poderá ter esse mesmo destino se ficar dissociada da discussão da teia de fatores que têm dificultado a melhoria da qualidade da educação no país.

O nível de aprendizado dos alunos no sistema público de educação básica é sabidamente baixo. Atualmente, dois terços deles têm dificuldade para lidar com operações matemáticas básicas e apenas 1% apresenta desempenho em padrão elevado nessa disciplina. A existência de uma Base Curricular Comum é condição para que essa situação comece a ser alterada. Mas ela precisa estar associada a um esforço sistêmico de criação de um padrão comum de funcionamento, tanto quanto possível homogêneo, das redes de educação básica nos vários entes federativos – um padrão que requer gestão escolar qualificada, professores valorizados, capacitados e com boas condições de trabalho, infraestrutura física e tecnológica suficiente. Sem isto, a nova Base Curricular terá pouca capacidade de contribuir para a efetiva melhoria dos processos de ensino e aprendizagem nas escolas, e poderá tornar-se apenas mais um documento de referência para a indústria produtora de livros didáticos.

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