Tendências do investimento social das empresas

Fabio Ribas
19/01/2016

A última edição da pesquisa Benchmarking de Investimento Social Corporativo (BISC), realizada junto a 312 empresas e 24 institutos e fundações empresariais brasileiros, apontou que, em 2014, essas organizações ampliaram seus investimentos sociais a ponto de retomar o nível alcançado em 2011, sem contudo recuperar o nível registrado em 2013.

Segundo a pesquisa, o investimento social das empresas em 2014 alcançou 2,3 bilhões. Esse resultado foi favorecido pela ampliação do uso de incentivos fiscais em relação a ações financiadas exclusivamente com recursos próprios: em 2014, 27% dos investimentos sociais privados foram baseados nesses incentivos, contra 23% em 2013.

O aprofundamento da crise econômica a partir de 2015 trará novos desafios que certamente serão captados na próxima edição da pesquisa BISC. É de se esperar que tais desafios também representem um estimulo para que as empresas socialmente responsáveis busquem sustentar suas ações sociais, tendo em vista o apoio a políticas públicas que, articuladas a ações da sociedade civil, ajudem os segmentos mais vulneráveis da população a enfrentar condições adversas.

Destacamos a seguir algumas tendências apontadas no último relatório da pesquisa BISC. Na sequência, fazemos uma breve retrospectiva da evolução do investimento social privado no Brasil.

Profissionalização do investimento social

O relatório da pesquisa informa que, em 2014, 75% das empresas buscavam qualificar seus investimentos sociais por meio de aperfeiçoamentos nos mecanismos de governança e operação dos projetos. Mais de dois terços delas investiam na profissionalização das equipes responsáveis pela área social e na introdução de inovações no desenho e na gestão dos projetos.

Na verdade, esta é uma tendência positiva que vem sendo desenvolvida gradativamente há vários anos. Embora a filantropia tradicional ainda permaneça como fonte inspiradora das ações sociais de várias empresas, estratégias baseadas em um olhar mais qualificado sobre a gestão, as metodologias e os resultados das ações sociais foram crescendo entre as empresas a partir dos anos 90 do século XX.

Para que possam fazer diferença efetiva na vida da população, as ações sociais das empresas precisam estar fundadas em conceitos e métodos consistentes e integradas a políticas oficiais e democraticamente estabelecidas no Estado brasileiro em áreas como educação, saúde, assistência social, trabalho e formação profissional, direitos de segmentos da população como crianças e adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, etc.

Esta orientação se torna especialmente relevante num momento de crise como o que o país atravessa. Diante de uma previsível retração de recursos para o atendimento das demandas sociais, é essencial que as empresas busquem qualificar suas ações sociais e atuar em sintonia com o Estado e o terceiro setor, para otimizar recursos e potencializar resultados.

Aproximação das empresas à realidade local

Segundo o relatório da pesquisa BISC, as empresas pesquisadas estão buscando ampliar o conhecimento da situação e da cultura das comunidades em que atuam, dialogando com as lideranças locais (aí incluído o poder público) e investindo na construção de redes e de mecanismos de articulação das ações.

Um aspecto promissor detectado nessa edição da pesquisa foi a busca, por parte de várias empresas, de meios de ampliação da escala dos projetos, tais como o uso de tecnologias digitais, o desenvolvimento de ações que possam ser disseminadas para outras localidades, a articulação do investimento social privado com políticas públicas preexistentes, o monitoramento de resultados dos projetos (e não apenas da realização das atividades previstas), o estímulo aos municípios para a mobilização de outras fontes de recursos (tais como incentivos fiscais ou contrapartidas federais que eles possam pleitear).

Esta também é uma tendência especialmente relevante, pois não basta que projetos pontuais sejam bem-sucedidos; é preciso que eles sejam disseminados e alcancem públicos e territórios ainda não atendidos ou atendidos precariamente. As empresas que buscam aprimorar seu investimento social estão compreendendo que não basta destinar recursos financeiros para alguns projetos isolados; é preciso compreender as causas dos problemas sociais, estar presente nas comunidades para entender suas dificuldades e potencialidades, acompanhar as ações e contribuir para que o poder público possa disseminar ações relevantes nas redes de educação, saúde, assistência social, etc.

Articulação de parcerias

A pesquisa BISC revelou que, em 2014, 80% das empresas estavam articuladas a órgãos governamentais para a realização de suas ações sociais. 54% delas informam que fortaleceram parcerias com órgãos municipais. 48% se uniram a outras empresas privadas para realizar investimentos sociais.

Esta tendência merece destaque especial porque sinaliza a criação de condições que não apenas favorecem a ampliação da escala dos projetos (mencionada acima), mas também aumentam o potencial de impacto das ações. Trata-se de reconhecer que é preciso somar forças para que seja possível promover de forma mais efetiva o desenvolvimento das populações e das localidades atendidas.

Isto sinaliza a possibilidade de que, orientado por um conceito avançado de desenvolvimento sustentável, o investimento social privado se consolide como uma estratégia de cooperação (e não de concorrência) entre as empresas, e de cooperação transparente entre as empresas e os órgãos públicos, para a promoção do bem comum.

Alinhamento do investimento social com o negócio da empresa

Os dados da pesquisa BISC também indicam o fortalecimento da tendência de alinhamento dos investimentos sociais aos negócios das empresas: em 2014, 67% das empresas e 63% dos institutos e fundações empresariais destinaram mais da metade dos seus recursos para projetos que tivessem esse alinhamento. Os profissionais que atuam nas áreas de investimento social das empresas também estão mais próximos das áreas de negócios. A área da educação permanecia como a mais frequentemente apoiada pelo investimento social das empresas: cerca de 38% dos recursos investidos em ações sociais se destinaram a essa área.

A pesquisa também identificou que os investimentos das empresas na educação estão sendo reorientados para a focalização de temas que tenham sintonia com seus negócios (por exemplo, educação financeira, capacitação profissional em determinadas áreas técnicas) e para o atendimento de territórios de interesse (por exemplo, áreas situadas no entorno das empresas ou impactadas por suas atividades econômicas). Revelou também que o alinhamento do investimento social com o negócio é valorizado pelas empresas como um meio para o fortalecimento de sua imagem e reputação.

O alinhamento do investimento social com o negócio da empresa permite articular dois objetivos. Por um lado, torna mais fácil para a empresa divulgar aos seus públicos de interesse o significado e a importância de suas ações sociais, uma vez que estas estarão voltadas a temas e/ou territórios que são do conhecimento da empresa. Por outro lado, o alinhamento permite que a empresa possa empregar de forma mais clara e fundamentada suas tecnologias e conhecimentos acumulados para apoiar ou operar ações sociais. As empresas são organizações que concentram conhecimentos e competências. O investimento social privado é uma oportunidade para que, em alguma medida, essas capacidades sejam colocadas a serviço de interesses da coletividade da qual a empresa é parte.

Investimento social das empresas: retrospectiva e perspectivas

Refletindo o traço assistencialista que historicamente marcou a formação cultural brasileira, o engajamento das empresas privadas em ações filantrópicas acompanhou a trajetória do capitalismo brasileiro até a década de 80 do século XX como um fenômeno mais ou menos secundário.

De modo geral, em todo esse período as empresas praticaram exclusivamente uma filantropia de caráter assistencialista, em que doações eram oferecidas à comunidade sem maiores expectativas de que ela própria tivesse iniciativas de autoajuda ou capacidades que pudessem ser mobilizadas para desencadear e sustentar processos de melhoria social.

Nos anos 90 surge o conceito de investimento social privado, caracterizado pela ideia de que as empresas deveriam buscar um maior grau de profissionalismo em suas ações sociais não-lucrativas dirigidas à comunidade. Mesmo sob essa nova inspiração, muitas ações ainda continuaram a ocorrer de forma relativamente isolada ou dissociada de políticas públicas operadas pelo Estado.

No final dos anos 90 o investimento social começa a ser visto como parte de um conceito mais amplo de responsabilidade social empresarial, que vai além da esfera do investimento social na comunidade externa e assume o caráter de uma forma de gestão dos negócios preocupada com as relações das empresas com todas as partes interessadas em suas atividades e com o papel da iniciativa privada na construção de uma sociedade mais sustentável.

O conceito de desenvolvimento sustentável (que começa a ser construído nos anos 70 do século XX, mas se desenvolve e começa a se disseminar mais amplamente a partir dos anos 90) abre espaço para a busca de um modo de funcionamento da sociedade capitalista afinado com um modelo de desenvolvimento mais inclusivo e menos agressivo ao meio ambiente, capaz de articular crescimento econômico, equilíbrio ambiental e justiça social.

A articulação entre os conceitos de responsabilidade social empresarial e desenvolvimento sustentável pode ser vista como uma busca de racionalidade e equilíbrio sistêmico em face do processo de globalização da economia. A integração do Brasil no mercado globalizado passa a exigir das empresas uma nova conduta que atenda às demandas crescentes do mercado e da sociedade por uma atividade empresarial sustentável dos pontos de vista ambiental, econômico e social.

Na esteira desse processo, ganha força a ideia de que as questões sociais são responsabilidade de todos, e não apenas do Estado; de que os negócios não podem bem-sucedidos sem que se amplie o acesso da população à educação, à saúde, ao emprego formal, e sem que a economia conviva com um meio ambiente equilibrado; de que as empresas que não fundamentarem seus negócios em critérios de transparência e respeito ao bem comum, não conseguirão ser bem-sucedidas numa perspectiva de longo prazo.

Cabe frisar que o processo de desenvolvimento acima resumido não tem sido um movimento linear, em que uma etapa supera a outra. No cenário atual coexistem posturas diversas sobre o sentido das ações sociais das empresas e suas relações com o Estado e as organizações não governamentais sem fins lucrativos.

A última edição da pesquisa BISC apontou que, em seus investimentos sociais, as empresas estão buscando valorizar tanto a capacidade de suas ações sociais para fortalecer políticas públicas, quanto o potencial dessas iniciativas para o fortalecimento dos seus negócios e da sua reputação. Nesse sentido, uma parcela significativa do investimento social privado estaria adentrando em uma nova fase, em que a visão clássica de que “o negócio das empresas é exclusivamente fazer negócio” vai sendo substituída por uma combinação de visões que poderíamos designar como “instrumental” e “emancipatória” acerca do investimento social:
– Visão instrumental: o investimento social privado é valorizado como um fator de competitividade que, ao lado de outros, ajuda a empresa a alcançar os objetivos do negócio.
– Visão emancipatória: o investimento social privado se justifica por sua contribuição para o fortalecimento da comunidade na qual a empresa está inserida e para a promoção do bem comum.

Para que o investimento social privado possa avançar no Brasil, é preciso que as empresas busquem combinar essas visões de forma consistente para o negócio e relevante para a sociedade. A reputação das empresas será tanto mais fortalecida quanto mais seu investimento social ajudar a fortalecer políticas públicas prioritárias para o país. A crise econômica e ética que o Brasil atravessa poderá estimular as empresas a buscar uma articulação cada vez mais consistente entre essas duas visões, à luz do princípio da participação democrática e transparente da iniciativa privada nos assuntos públicos.

Acesse aqui o relatório da pesquisa Benchmarking de Investimento Social Corporativo