Os índices de avaliação e a participação das escolas e da sociedade na melhoria da educação

Fabio Ribas
14/10/2015

Acaba de ser lançado mais um índice para a avaliação da situação da educação básica no Brasil: trata-se do IOEB – Índice de Oportunidades da Educação Brasileira, criado pelo Centro de Liderança Pública.

Segundo seus autores, o novo índice retrata a situação da educação básica em cada local (municípios, Estados ou Distrito Federal), englobando todas as redes de ensino (estadual, municipal e privada) e todos os moradores locais em idade escolar, e expressa a qualidade das oportunidades educacionais. O IOEB é composto por indicadores de resultados (IDEB dos anos iniciais e finais do ensino fundamental; taxa líquida de matrícula do ensino médio) e indicadores de insumos e processos educacionais (escolaridade dos professores; número médio de horas aula/dia; experiência dos diretores; taxa de atendimento na educação infantil). Desta forma, busca ir mais além da aferição do desempenho dos alunos, para abarcar alguns fatores dos sistemas de ensino que determinam esse desempenho.

Uma das críticas que têm sido feitas ao Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) é que ele prioriza a avaliação do aprendizado dos alunos, sem conceder igual atenção ao exame da infraestrutura física e dos recursos tecnológicos e humanos da educação. Nesse sentido, ao mensurar não apenas o aprendizado mas, ao mesmo tempo, a situação de alguns insumos e condições de operação dos sistemas escolares, o IOEB dá um passo adiante.

A criação do IOEB reitera a importância da existência de sistemas qualificados de informação sobre a situação da educação. Uma breve retrospectiva do que se convencionou chamar “avaliação externa” da educação no Brasil (por contraposição a uma “avaliação interna”, ou seja, aquela que deve ser conduzida pelos gestores e equipes das próprias escolas ou das instâncias mais próximas das escolas, tais como as Secretarias Municipais de Educação ou as Diretorias Regionais do Ensino Estadual) mostra que essa tendência ganhou impulso na segunda metade dos anos 80 do século passado, quando foi realizada uma experiência-piloto de avaliação educacional nacional conduzida pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos). Com a criação do SAEB, em 1990, os alunos do Ensino Fundamental passaram a ter seu desempenho avaliado periodicamente, por meio de testes nas áreas de Língua Portuguesa, Matemática e Ciências. A partir de 1995 o SAEB foi reestruturado para permitir a comparação entre os resultados das avaliações ao longo do tempo. Em 2005, foi novamente modificado para incluir duas avaliações: a Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB) e a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar, conhecida como Prova Brasil. Em 2007 o INEP criou o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) que reúne em um mesmo indicador dois conceitos: fluxo escolar e médias de desempenho nas avaliações. Ao longo desse período alguns Estados criaram seus próprios sistemas de avaliação educacional, tais como o SARESP (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo) e o SIMAVE (Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Pública).

Ocorre que todas essas iniciativas de criação de sistemas de avaliação foram sempre centralizadas no Governo Federal e em alguns poucos Governos Estaduais, que tomaram para si a tarefa de divulgar periodicamente resultados sobre o aprendizado dos alunos. Nesse sentido, os sistemas de avaliação permaneceram “externos” às realidades municipais, ou seja, pouco ou nada utilizados pelos municípios para buscar melhorias nas escolas locais.

Não há dúvida quando à importância da existência de sistemas nacionais qualificados e abrangentes de avaliação da educação. Há, porém, uma questão crucial a ser colocada: os resultados das avaliações e o conhecimento que elas propiciam precisam ser apropriados por quem faz a educação acontecer no dia a dia (gestores locais e profissionais das escolas) e, mais ainda, pelos maiores interessados na melhoria da educação: a população, os familiares, os alunos. A realidade precisa ser conhecida para ser transformada, e não apenas para que se redescubra, sucessivamente e de forma generalista, que a situação da educação brasileira não é boa.

Apropriação dos índices de avaliação pelas redes locais de ensino

Nesse sentido, um sistema de avaliação como o IOEB, que foi concebido para facilitar o acesso das Secretarias Municipais de Educação e das escolas às informações sobre educação, cumpre um papel importante. Vale dizer que há outras iniciativas para tornar os dados gerados por sistemas de avaliação como SAEB e o ENEM acessíveis para os municípios e escolas. Uma delas é o Portal QEdu ‒ ferramenta criada pela Fundação Lemann que busca facilitar para qualquer pessoa o acesso a informações públicas sobre a qualidade do aprendizado em cada escola, município ou Estado.

O Brasil vive um momento em que o planejamento, o aprimoramento e o controle das políticas públicas precisam estar fundamentados na transparência e no acesso às informações. Nesse sentido, é necessário que os dados sobre a situação da educação brasileira estejam facilmente acessíveis e sejam apropriados pelas escolas e por parcelas crescentes da população. Na história dos sistemas de avaliação externa criados no Brasil, as escolas sempre desempenharam basicamente o papel de geradoras e repassadoras de informações sobre o aprendizado dos alunos para instâncias superiores (Ministério da Educação, Secretarias Estaduais de Educação ou fundações especializadas e universidades que atuam em sintonia com essas instâncias), as quais assumiram as tarefas de sistematização, análise e divulgação da situação da educação brasileira.

Essa tendência é reflexo do verticalismo que sempre marcou o funcionamento do Estado brasileiro. O Ministério da Educação, responsável pelas decisões sobre a educação nacional, e os Governos Estaduais, responsáveis pela condução dos Sistemas Estaduais de Ensino, tornaram-se os principais depositários dos resultados das avaliações. Os testes de avaliação de desempenho eram, e continuam sendo, aplicados com a necessária colaboração das escolas e dos municípios. Porém, quantos gestores municipais da educação e quantas escolas têm feito uso desses dados para avaliar sua própria atuação, divulgar resultados e buscar a melhoria dos processos educacionais em nível local? Considerando que a educação acontece efetivamente nos municípios e nas escolas, é difícil entender por que tal questão ainda não recebeu a atenção que merece.

Sistemas de Avaliação como o SAEB e indicadores como o IDEB vêm gerando, nos últimos anos, informações importantes sobre o desempenho da educação pública no país. Graças a eles alcançamos uma percepção clara de que os avanços na democratização do acesso ao ensino fundamental, registrados nas últimas décadas, não foram acompanhados por melhorias significativas na qualidade do ensino.

A partir dessa conquista, o passo decisivo a ser dado é o uso dos indicadores de avaliação pelos municípios para o redirecionamento de seus sistemas educativos. Mais além da descrição quantitativa dos grandes números, é preciso estabelecer relações entre os resultados registrados em cada município, e em cada escola, e os processos de trabalho educativo ali desenvolvidos. Cabe aos agentes locais fazer a interpretação das suas realidades, formular e implantar propostas de ação para melhorar a qualidade do ensino em suas escolas.

Em suma, o sistema de avaliação precisa ser apropriado e internalizado pelos educadores e pela comunidade local em cada município. Com isto, conservará as vantagens da avaliação sistêmica (visão de conjunto, possibilidade de estabelecimento de critérios comuns para aferir o padrão de qualidade e de equidade em uma dada rede escolar) e agregará aquilo que tem faltado nos processos de avaliação externa: a geração de dados que são significativos e úteis para as escolas locais porque falam diretamente da sua realidade, dos seus problemas e das suas necessidades e oportunidades de mudança.

Participação da sociedade

Se considerarmos a necessidade e o direito da população de ter acesso a informações qualificadas sobre a educação pública, o desafio para os sistemas de avaliação é ainda maior.

Um exemplo significativo desse desafio vem de uma pesquisa realizada pelo Ministério da Educação/INEP em 2005, acerca da percepção das famílias sobre a qualidade da educação oferecida pelas escolas públicas. Solicitados a avaliar as escolas frequentadas por seus filhos, a nota média que os familiares atribuíram à qualidade do ensino ministrado pelos professores foi de 8,6 pontos (numa escala de 0 a 10). Para o conteúdo do que era ensinado, a nota média foi de 8,4. Ao mesmo tempo, 75,8% dos pais ou responsáveis entrevistados apontaram que, na sua visão, um dos maiores problemas da escola era a falta constante dos professores.

Ao que tudo indica, a facilidade de acesso das crianças e adolescentes à escola (o que se convencionou chamar de democratização quantitativa, por oposição a democratização qualitativa do ensino) esteve subjacente a essa avaliação positiva dos pais sobre a escola pública, sendo expressa no seguinte depoimento de um dos pais entrevistados na referida pesquisa: “só não estuda quem não quer”. Como essa pesquisa gerou um arco muito amplo de informações, dados como os acima citados se mesclaram a outros que revelaram visões da população sobre aspectos variados do funcionamento das escolas públicas, tais como localização, espaço físico, alimentação oferecida, etc. Assim, ficou obscurecida a questão mais relevante que poderia ter sido levantada a partir dos dados levantados, qual seja: se boa parte da população que tem filhos nas escolas públicas revela uma percepção no mínimo contraditória sobre a qualidade da educação e sobre os fatores que a determinam, como pode a sociedade demandar que as mudanças necessárias para a melhoria da qualidade da educação sejam efetivadas?

Reflexão semelhante foi feita por Simon Schwartzman em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, em 07/12/2014. Nesse artigo, Schwartzman cita uma pesquisa do Ibope realizada em 2010, segundo a qual 34% dos brasileiros consideravam a educação pública brasileira ótima ou boa, 44% regular e 21% péssima. A seguir, compara esses índices com dados do Pisa, a pesquisa internacional da OCDE sobre a qualidade da educação, segundo a qual dos 47% dos jovens de 15 anos que conseguiam chegar ao fim da escola fundamental ou ao início do ensino médio, 67% não tinham os conhecimentos mínimos de matemática esperados para a série, 18,8% não tinham a capacidade mínima de leitura e 54% não dominavam os conceitos básicos de ciência. Schwartzman acrescenta a esses dados a informação de que, aos 18 anos, em 2012, somente 27% dos jovens haviam conseguido chegar ao final do ensino médio ou haviam entrado no ensino superior, e metade já havia deixado de estudar. A partir daí, conclui que “quem olha os dados vê a tragédia em curso, mas a maioria da população, talvez por ter conhecido dias piores, não enxerga o problema.

Já computamos algumas décadas de existência de sistemas externos de avaliação que vêm demonstrando sistematicamente a fragilidade da educação pública no Brasil. Apesar disso, os avanços na melhoria da qualidade das escolas têm sido tímidos, ou em alguns aspectos praticamente inexistentes. É possível, pois, concluir que em nosso país só será possível melhorar significativamente a qualidade da educação (assim como a qualidade de outros serviços públicos) se a população estiver bem informada e passar a exercer controle social efetivo e democrático sobre a gestão pública desse serviço.

Quando as mobilizações sociais que emergiram em julho de 2013 focalizaram, ainda que genericamente, entre outras demandas, a melhoria da educação pública, esse tipo de participação cidadã começou a emergir. Contudo, não teve continuidade. Para que possa avançar, é preciso que segmentos organizados da sociedade civil, inspirados nos marcos legais e no conceito de participação democrática e cidadã, tenham acesso a informações qualificadas, dialoguem com os gestores públicos, participem da formulação de propostas de mudanças e acompanhem resultados. Essa participação pode ser exercida, entre outras formas, nos Conselhos Municipais de Educação, que devem contar com representantes da sociedade civil.

Os autores do IOEB afirmam que “é preciso dotar o poder local com recursos e capacidade técnica para gerir suas escolas.” Uma das condições essenciais para que isto aconteça é a existência de uma demanda clara e consistente da sociedade civil (lideranças locais, famílias e os próprios alunos) por uma gestão mais qualificada da educação em cada localidade do país. Nesse sentido, o foco do IOEB na geração de informações que possam ser usadas em nível local para avaliação da aprendizagem dos alunos e das condições de operação das escolas é positivo. Os autores do novo índice acertam quando afirmam que “é necessário produzir informações que possibilitem à população local julgar a qualidade da educação oferecida e cobrar os gestores e governantes por melhorias”.

Acesse aqui mais informações sobre o IOEB

Acesse aqui o Portal QEdu, da Fundação Lemann

Acesse aqui a Pesquisa Nacional Qualidade da Educação: A Escola Pública na Opinião dos Pais (MEC/INEP, 2005)