Qualidade na educação básica

Fabio Ribas | 04/06/2008

O estudo “Redes de aprendizagem – Boas práticas de municípios que garantem o direito de aprender”, coordenado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Ministério da Educação (MEC) e União Nacional dos Dirigentes de Educação (UNDIME), analisou a qualidade do ensino oferecido por 37 redes municipais de ensino de 15 Estados, nas cinco regiões do país. As redes selecionadas para análise apresentam Índices de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) maiores que a média nacional do IDEB.

Fatores críticos para a melhoria da qualidade dos sistemas municipais de educação

Realizado no final de 2007, o estudo buscou identificar fatores que determinam a obtenção de bons resultados nas redes públicas de ensino. Nos municípios estudados, a conjugação destes fatores tornou possível a obtenção de resultados acima da média nacional.

Dentre os fatores críticos apontados, dez estavam presentes na maioria dos 37 municípios analisados:

1) Foco no processo de aprendizagem

2) Consciência e práticas de rede

3) Planejamento

4) Avaliação

5) Perfil dos professores

6) Formação do corpo docente

7) Valorização da leitura

8) Atenção individual ao aluno

9) Atividades complementares

10) Parcerias

Além destes, foram identificados mais sete aspectos importantes, presentes em um número menor de redes:

1) Acesso à Educação Infantil

2) Interação com as famílias e a comunidade

3) Prática por projetos

4) Respeito ao tempo escolar

5) Infraestrutura

6) Perfil e papel da direção escolar

7) Plano de carreira, cargos e salários

Os resultados obtidos no estudo permitem identificar boas práticas e oferecer os exemplos para todos os municípios brasileiros.

Contudo, cabe considerar que não basta prescrever boas práticas. A construção de estratégias sistêmicas e integradas de gestão e funcionamento de redes municipais de ensino é obra que exige seriedade e dedicação dos governos, e participação efetiva de todas as partes interessadas. Frise-se que não se trata de melhorar escolas enquanto unidades isoladas, mas de melhorar a eqüidade e a qualidade no conjunto das unidades que constituem uma rede de ensino. A diferença entre um e outro enfoque é decisiva. Criar ou apoiar escolas que venham a se constituir como ilhas de excelência, aqui ou acolá, é tarefa muito mais simples que trabalhar para melhorar o padrão de funcionamento de todo um sistema público de educação.

Nesse sentido, o foco do estudo nas redes municipais de ensino é bastante pertinente.

O exemplo de João Monlevade

A maioria dos diferenciais apontados no estudo do UNICEF/MEC/UNDIME está presente em João Monlevade (MG) – município que integra o elenco das 37 redes de ensino do país destacadas por sua qualidade educacional.

A construção do processo de gestão e funcionamento da rede municipal de João Monlevade contou, entre 2002 e 2006, com o apoio da Fundação ArcellorMittal Brasil e a consultoria da Prattein.

Em seu trabalho de consultoria ao sistema municipal de ensino de João Monlevade, a Prattein apoiou os gestores do sistema para a formulação, implantação e monitoramento de um Plano Municipal de Educação de caráter sistêmico, que contemplasse as várias dimensões críticas do processo de melhoria da qualidade da educação.

Plano Municipal de Educação 2005-2008, elaborado pela Secretaria Municipal de Educação de João Monlevade, contempla praticamente todos os fatores críticos apontados no estudo do UNICEF/MEC/UNDIME. 

Assim, o Plano Municipal definiu como meta principal da rede de ensino “a elevação dos níveis de aprendizagem dos alunos”. Para que toda a rede municipal fosse mobilizada em torno dessa meta, o Plano definiu 16 ações prioritárias e estratégicas, ordenadas por áreas de atuação:

Na área de “gestão escolar”:

1) Acompanhamento permanente dos níveis de aprendizagem dos alunos.

2) Aprimoramento das equipes de gestão escolar e coordenação pedagógica. 

Na área de “capacitação de pessoal”:

3) Capacitação de professores em serviço.

4) Fortalecimento e capacitação do pessoal de apoio.

Na área de “melhoria de processos educativos”:

5) Estímulo à leitura e produção de textos nas escolas.

6) Aprimoramento das ações de inclusão e valorização da diversidade nas escolas.

7) Prevenção da violência e educação para a paz.

8) Implantação da Educação de Jovens e Adultos.

Na área de “novas tecnologias e comunicação”:

9) Implantação da informática educativa nas escolas como ferramenta pedagógica.

10) Produção e divulgação da Revista Identidades e Saberes (revista publicada trimestralmente pela Secretaria Municipal de Educação de João Monlevade, na qual as escolas e docentes da rede divulgam suas práticas e debatem questões de interesse).

Na área de “aprimoramento da rede física e do marco legal”:

11) Ampliação, conservação e manutenção da rede física.

12) Revisão e atualização do Estatuto do Magistério.

Na área de “participação da sociedade”:

13) Promoção da participação das famílias na vida escolar.

14) Formação de parcerias e alianças com a comunidade.

Na área de “avaliação e transparência”:

15) Desenvolvimento do Sistema de Avaliação da Rede Municipal de Ensino.

16) Divulgação das ações da rede municipal para comunidade.

A seguir, destacamos trechos do estudo do UNICEF/MEC/UNDIME que ilustram como algumas estratégias do Plano Municipal de Educação de João Monlevade se concretizaram e vieram a fazer parte do modo de pensar e agir dos educadores da rede de ensino.

O trecho seguinte refere-se à meta principal do Plano Municipal de Educação de João Monlevade (promoção do aprendizado dos alunos):

’Sonhamos com uma educação que garanta, verdadeiramente, o direito à aprendizagem a todos aqueles alunos e alunas que, por um motivo ou por outro, se encontram privados dele. Acreditamos que o sonho é algo fundamental para a materialização da realidade.’ A frase do diretor da Escola Municipal Cônego Higino de Freitas, em João Monlevade (MG), sintetiza um compromisso com a garantia do direito de aprender que foi observado nas 37 redes analisadas pela pesquisa.” (Redes de aprendizagem, pg. 10)

O alcance da meta acima citada depende das várias ações prioritárias definidas no Plano Municipal de Educação. Entre elas figura o acompanhamento permanente dos níveis de aprendizagem dos alunos – ponto abordado no seguinte trecho do estudo:

A estratégia de reenturmação é uma política da Secretaria de Educação de João Monlevade (MG) adotada por todas as escolas conforme suas especificidades. Na Escola Municipal Cônego José Higino de Freitas, os alunos são reorganizados de acordo com suas dificuldades, em classes que têm uma semana de aulas de reforço em Português e Matemática, ao final de cada trimestre. Ao final do ciclo, a criança que não conquista as competências mínimas desejadas passa a integrar uma turma especial, a ‘turma de projeto’, em que recebe atendimento diferenciado, com uma equipe interdisciplinar de professores de Português, Matemática, História, Geografia e Ciências. ‘O que faz a diferença é esse olhar diferenciado para cada aluno. A gente não coloca todo mundo num pacote só. Todos nós temos necessidades especiais’, diz uma professora da rede municipal de João Monlevade.” (Redes de aprendizagem, pg. 58)

Uma das ações prioritárias do Plano Municipal de Educação de João Monlevade é o aprimoramento das equipes de gestão escolar. O trecho seguinte reflete a importância desse ponto:

Em João Monlevade (MG), diversos atores destacam a importância dos diretores [no acompanhamento dos planos pedagógicos]. Esses profissionais são citados como ‘parceiros’ e ‘inspiradores’ das práticas da escola, além de ser responsáveis por viabilizar as boas condições de trabalho e por manter o foco na aprendizagem. Junto com os coordenadores, eles planejam as ações de formação, lideram iniciativas de planejamento e executam ações que contribuem para superar as dificuldades dos alunos.” (Redes de aprendizagem, pg. 33)

Em João Monlevade foi criado um Sistema Municipal de Avaliação, coordenado pela Secretaria Municipal de Educação, que conta com o apoio de uma Comissão de Avaliação composta por diretores e professores de escolas da rede municipal. O estudo faz referência ao processo de implantação e consolidação dessa estratégia:

O sistema de avaliação de João Monlevade (MG), criado como parte do Plano Municipal de Educação, em 2003, é um acelerador das transformações e da melhoria dos resultados da rede, na visão da dirigente de Educação daquele município O programa desenvolvido pela secretaria foi concebido com o apoio de uma consultoria patrocinada por uma fundação empresarial. As provas – de Português e Matemática – têm as questões formuladas por professores selecionados segundo critérios estabelecidos por um comitê de avaliação e são aplicadas aos alunos da 1ª à 8ª série do Ensino Fundamental todo mês de novembro. A análise dos resultados – elaborada pelos consultores na forma de relatórios e gráficos da rede, de cada escola e de cada turma – serve de base para as escolas planejarem o ano e encaminharem à secretaria solicitação de ações como desmembramento de uma turma ou contratação de uma professora alfabetizadora para trabalhar com um grupo de crianças que não tenha completado o processo de alfabetização. Já a secretaria emprega os resultados da avaliação para planejar ações de formação.” (Redes de aprendizagem, pg. 38)

A implementação do sistema de avaliação em João Monlevade (MG) enfrentou resistências iniciais. ‘Para ser franca, quando eu assumi a secretaria, o meu povo não gostava de avaliação externa. O pessoal tinha trauma de outras experiências, pois achava que servia apenas para punir. Levamos um tempo discutindo até todos entenderem que avaliação é crescimento. Hoje todos valorizam a avaliação porque ela dá retorno imediato’, relata a dirigente de Educação daquele município.” 
(Redes de aprendizagem, pg. 39)

Conclusões

Em João Monlevade, a Secretaria de Educação assumiu com competência técnica e atitude participativa a gestão das atividades previstas no Plano de Educação do município.

Por seu turno, as escolas têm demonstrado sintonia com as prioridades estabelecidas no Plano Municipal, sem que isto represente qualquer tipo de limitação à autonomia que a legislação lhes garante. Ao contrário, as escolas têm fortalecido sua capacidade de administrar questões locais e de buscar melhores resultados de aprendizagem.

Em João Monlevade, o processo de melhoria da qualidade da educação foi impulsionado pela construção de diretrizes e instrumentos de gestão que articularam de forma sistêmica e integrada a implantação de um conjunto de ações prioritárias em todas as escolas da rede municipal. As ações em curso nas áreas mais críticas para a melhoria da qualidade do ensino são acompanhadas a partir dos indicadores de avaliação da rede, gerados anualmente.

Os avanços em competência e autonomia dos agentes locais representam condições de sustentabilidade das mudanças até aqui alcançadas. A experiência aponta caminhos para que se evitem rupturas ou descontinuidades que caracterizaram a cultura de gestão pública de muitos municípios brasileiros. A Secretaria Municipal de Educação tem dado continuidade a um padrão de gestão baseado em metas, ações prioritárias e indicadores de resultados gerados periodicamente.

Os princípios que basearam a mudança em João Monlevade (e que foram consagrados no Plano de Educação do município) são os seguintes:

1) A responsabilidade pela educação é de toda a sociedade e, por isto, a cidade precisa ter um projeto educacional compartilhado, formulado com ampla participação da comunidade local.

2) A gestão democrática é o caminho para estimular a participação e a co-responsabilidade de todos (Secretaria de Educação, escolas, pais, alunos e comunidade local) em relação aos resultados da educação.

3) A educação precisa ser inclusiva: deve ser capaz de acolher e integrar todos os alunos, independentemente de suas características e diferenças pessoais, familiares e socioculturais.

4) A educação só será efetivamente inclusiva se puder garantir que todos terão iguais oportunidades de aprendizagem, se conseguir oferecer a todos um ensino de qualidade.

A metodologia de gestão educacional adotada em João Monlevade busca possibilitar a todos os interessados a oportunidade de acompanhar o desempenho da educação no município e de contribuir para o seu aprimoramento. Com isto, promove a responsabilização de todos pela melhoria e sustentação dos processos educativos.

A experiência de João Monlevade mostra que o município é um espaço em que o esforço coletivo em busca da melhoria da educação pública deve ter grandes chances de sucesso, pois ali os problemas podem ser identificados de forma mais clara e as soluções podem se viabilizar mais facilmente; a participação dos educadores e da comunidade fica mais favorecida e pode convergir para finalidades coletivamente priorizadas, gerando resultados mais efetivos.