Projeto de lei busca acelerar o processo de adoção de crianças e adolescentes

Saulo Cunha
20/02/2017

O assunto da adoção tem ganhado notoriedade nos últimos tempos. É comum ouvir-se falar que o processo é longo e demorado. Mais recentemente, tem-se noticiado que a fila daqueles que pretendem adotar é algumas vezes maior que a daqueles que esperam por uma família.

O Ministério da Justiça e Segurança Pública do Governo Federal, por meio da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente,(1) propôs um Anteprojeto de Lei de Adoção, que esteve aberto para debate público no período de 04 de outubro a 04 de dezembro de 2016. Este Anteprojeto, que propõe alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tenciona encurtar os prazos de realização dos procedimentos para adoção e diminuir a discrepância entre o número de adotantes e o número de crianças e adolescentes que podem ser adotados.

O Anteprojeto pretende também regulamentar o Apadrinhamento Afetivo(2), que não está inserido no ECA, embora já seja praticado em algumas Unidades da Federação.

O site do Ministério da Justiça informa que no decorrer dos dois meses de debates foram realizadas, com participação ativa da sociedade civil organizada, audiências públicas em diversos municípios. Foram feitas 1.200 contribuições on-line. Destacamos na sequência os três pontos que mereceram maior atenção do público que participou dos debates.

Cenário atual

O Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas indica que vivem atualmente em abrigos 46.526 crianças.(3)

O Cadastro Nacional de Adoção, por sua vez, indica que do total acima apenas 7.172 crianças estão disponíveis para adoção e que há 38.593 pretendentes à adoção.(4)

A adoção é medida excepcional, empregada apenas quando todas as tentativas de reinserção das crianças e adolescentes em suas famílias de origem falharam. É por esta razão que apenas cerca de 16% dos acolhidos estão disponíveis para adoção.

Como se pode notar, o número de pretendentes à adoção é muito maior que o número de crianças e adolescentes disponíveis para adoção. Esta diferença intrigante é devida ao desencontro entre o perfil de crianças desejado pelos pretendentes e o perfil daquelas que esperam por uma família. A principal diferença reside na idade: enquanto 82% dos pretendentes aceitam crianças com até 5 anos, estas representam apenas 18,5% daquelas que podem ser adotadas.

Anteprojeto de lei

O Anteprojeto, que está publicado em site do Ministério da Justiça,(5) propõe alterações nos artigos 13, 19, 28, 34, 46, 47, 50, 51, 52 (A, B, C), 92, 161, 166 e 170 (A, C) do ECA.

O tema mais comentado pelo público que participou dos debates foi o da entrega voluntária para adoção. O artigo 13 do ECA determina que as mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção sejam obrigatoriamente encaminhadas, sem constrangimento, à Justiça da Infância e da Juventude.

O Anteprojeto propõe que a Justiça da Infância e da Juventude intime o suposto pai, quando possível, conferindo-lhe a oportunidade de manifestar, em cinco dias, se pretende comprovar a paternidade e exercer o poder familiar. Propõe também que, nos casos em que o pai não é encontrado, a Justiça da Infância e da Juventude possa contatar a família extensa.

O ponto destacado pelo público é que a entrega voluntária precisa ser também uma entrega protegida. Assim, é importante que a mãe que pretende entregar o filho seja avaliada por equipe multidisciplinar, sem constrangimentos, a fim de que se possa compreender as razões que a levaram a decidir-se pela entrega e oferecer-lhe as orientações e os cuidados necessários. Com isto, caso se confirme, a entrega poderá ser feita de maneira amadurecida, com a devida proteção da mãe e do bebê. A mudança proposta no Anteprojeto de Lei tem a intenção de promover a permanência da criança na família biológica, evitando seu ingresso em algum serviço de acolhimento e sua eventual adoção. Todavia, esta é uma medida bastante arriscada, pois a mãe pode não querer que o pai seja consultado. Isto pode se dar, por exemplo, pelo fato de a gravidez ser fruto de uma relação amorosa mantida em sigilo, como no caso das relações extraconjugais. A mãe pode não querer que sua família seja consultada porque esta não aceita que uma mulher engravide fora do casamento. A mãe pode também não suportar que uma criança que foi concebida num ato de violência sexual permaneça em sua família e seja cuidada por ela. Enfim, outras situações além destas podem levar a mãe a não aceitar que o pai da criança e sua família sejam consultados. E ela precisa ser respeitada em sua decisão.

O segundo tema mais comentado foi a regulamentação do apadrinhamento afetivo, tratado no artigo 19 do Anteprojeto de Lei. A iniciativa é relevante, pois o apadrinhamento, que não consta do ECA, oferece valioso apoio para as crianças e adolescentes que não têm chance de retornar às suas famílias, nem de ser adotados.

O Anteprojeto propõe que seja assegurada prioridade às crianças e adolescentes com poder familiar destituído, com deficiência, doença crônica, ou com necessidades específicas de saúde, além do grupo de irmãos e crianças acima de oito anos de idade. Vários debatedores propõem que, ao invés de prioridade, seja assegurada exclusividade a este público.

Outro ponto do artigo 19 do Anteprojeto de lei que provocou grande debate é a proposta de que os padrinhos possam ou não estar inscritos no cadastro de adoção. Para os debatedores, ocorre aqui uma mistura entre apadrinhamento e adoção, cujo resultado pode ser prejudicial para as crianças e adolescentes. Pode ocorrer que pessoas inscritas no cadastro de adoção usem o apadrinhamento para testar sua disposição de tornar-se pais, podendo, em casos negativos, vir a abandonar os apadrinhados. Pode também ocorrer que pessoas se tornem padrinhos apenas enquanto aguardam o filho adotivo e, com a chegada deste, abandonem o apadrinhado, fazendo-o reviver experiências de abandono.

O terceiro tema mais comentado diz respeito ao encurtamento dos prazos do processo de adoção. O artigo 46 do ECA diz que a adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso.

Com a finalidade de acelerar o processo, o Anteprojeto de Lei fixa em 90 dias o período de convivência nos casos de adoção nacional, que pode ser prorrogado por igual período pela autoridade judiciária.

Nos casos de adoção internacional, o artigo 46 do ECA estabelece que o período de convivência seja de no mínimo trinta dias. O Anteprojeto de Lei, por sua vez, propõe um prazo de no mínimo quinze e, no máximo, 45 dias.

Para os debatedores o período de convivência é de suma importância no processo de adoção, pois permite que os envolvidos percebam os limites e as possibilidades de formarem uma família. De fato, cada caso é um caso. Há situações nas quais as possibilidades e impossibilidades logo se revelam. Em outras, é necessário mais tempo.

No seu artigo 170-A, o Anteprojeto de Lei propõe que processo de adoção seja concluído em 120 dias, prorrogáveis por igual período. Com isso, espera-se evitar que ele se estenda por um período longo que termina por fazer com que os pretendentes à adoção e os que esperam ser adotados vivam na insegurança.

Aqui também os debatedores afirmam que não é possível fixar prazo, pois cada caso precisa ser considerado na sua singularidade.

Para aqueles que participaram das discussões, não é o mero encurtamento dos prazos que imprimirá maior ritmo ao processo de adoção. É necessário equipar as Varas da Infância e da Juventude com profissionais capacitados e em número suficiente para atender à demanda. É fundamental implantar-se Varas da Infância e da Juventude exclusivas e não cumulativas, com juízes vocacionados à matéria da infância e da juventude.

As contribuições enviadas à Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente serão levadas ao Congresso Nacional para que possam ser incorporadas às propostas em debate pelos legisladores.

Notas

(1) Por meio da Medida Provisória nº 768, editada em 02/02/2017, a Presidência da República criou o Ministério dos Direitos Humanos e transferiu para esse ministério a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, que até então estava vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.

(2) Apadrinhamento afetivo é uma forma alternativa e inovadora de proteção para crianças ou adolescentes que têm pouca chance de adoção. Consiste na formação de um vínculo de afetividade duradouro entre uma pessoa que se torna padrinho ou madrinha e uma criança ou adolescente que foi retirada de sua família por decisão judicial, e que se encontra em uma instituição de acolhimento. O padrinho ou madrinha oferece orientação e acompanhamento para uma criança ou adolescente que, possivelmente, continuará na instituição de acolhimento até completar a maioridade. Os apadrinhados não vão residir na casa dos padrinhos; continuam morando na instituição de acolhimento, mas passam a receber apoios de seus padrinhos, tais como acompanhamento de sua vida escolar, apoio ao desenvolvimento de sua saúde física e mental, apoio para ampliação de horizontes culturais em conformidade com seus interesses, orientação para a busca de um aprendizado profissional (para adolescentes mais velhos), etc. Embora, por lei, o adolescente deva deixar o abrigo quando completar 18 anos de idade, o apadrinhamento pode se desdobrar por tempo indefinido.

(3) Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/cnca/publico/ (acesso em 09/02/2017).

(4) Cadastro Nacional de Adoção. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/cnanovo/pages/publico/index.jsf (acesso em 09/02/2017).

(5) Minuta do Anteprojeto de Lei. Disponível em http://pensando.mj.gov.br/adocao/texto-em-debate/minuta-do-anteprojeto-de-lei/ (acesso em 09/02/17).