Políticas públicas para a primeira infância: dos marcos legais à concretização das ações

14/03/2016
Equipe Prattein

Estudos nacionais e internacionais demonstram que crianças pobres que recebem investimentos para sua proteção social e educação na primeira infância apresentam, em etapas posteriores da vida, maior desenvolvimento de capacidades cognitivas, menor probabilidade (para as meninas) de engravidar durante a adolescência, índice muito menor de envolvimento em atos infracionais (para os meninos) e salários significativamente melhores. Há portanto, razões de sobra para que os governos busquem implementar políticas públicas de proteção e promoção do desenvolvimento da saúde, desde o período de gestação, e da educação das crianças pequenas.

No Brasil não faltam normas legais, documentos orientadores e estatísticas para orientação e suporte a tais ações.

Assim é que o Senado aprovou, em fevereiro de 2016, o Projeto de Lei 14/2015, que institui o Marco Legal da Primeira Infância: um conjunto de diretrizes para a formulação e implementação de políticas públicas para a etapa da vida que vai desde a gestação até os primeiros seis anos da criança.

Segundo o projeto, são áreas prioritárias das políticas públicas para a primeira infância: saúde, alimentação e nutrição, educação infantil, convivência familiar e comunitária, assistência social, cultura, brincadeiras e lazer, espaço e meio ambiente, proteção social contra violências e pressões consumistas, prevenção de acidentes e medidas que evitem a exposição precoce das crianças aos meios de comunicação.

O projeto também determina a criação de uma Política Nacional Integrada para a Primeira Infância, que articule as diversas políticas setoriais. Para tanto, os Estados e municípios deverão criar comitês intersetoriais que assegurem a articulação das ações das diversas áreas. Esses comitês, segundo o projeto de lei, deverão contar com a participação dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Antes da formulação do Projeto de Lei 14/2015, o Plano Nacional pela Primeira Infância, formulado em 2010 e aprovado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, já havia estabelecido vários princípios orientadores, metas e ações para o período 2011-2022. Muitas dessas metas e ações foram incorporadas ao projeto de lei que institui o Marco Legal da Primeira Infância.

Por seu turno, o Estado de São Paulo lançou em 2013 o Programa São Paulo Pela Primeiríssima Infância, que tem como objetivos: proporcionar atenção integral e efetiva durante a gravidez, nascimento, pós-parto e cuidado até os 3 anos de idade por meio dos serviços de saúde, educação e desenvolvimento social; formar profissionais dessas áreas para que atuem junto a familiares e cuidadores; estimular a construção de políticas públicas para a primeira infância que sejam efetivas e sustentáveis; elaborar e implementar uma Linha de Cuidado de Saúde da Criança de 0 a 3 anos; criar um Índice de Atenção Integral à Primeira Infância; criar um Curso de Especialização em Promoção do Desenvolvimento Infantil.

Entre as ações do programa do Estado de São Paulo, merece destaque a criação do Índice Paulista da Primeira Infância – IPPI que permite avaliar a capacidade dos municípios do Estado de São Paulo de promover o desenvolvimento infantil por meio de serviços de saúde e educação voltados às crianças menores de seis anos. Esse índice classifica os municípios paulistas segundo as dimensões saúde e educação.

Em um tempo de profunda crise econômica e política como o que o Brasil atravessa é fundamental que temas como a atenção à primeira infância não sejam colocados em segundo plano. Ao contrário, o momento atual é ideal para que a sociedade se mobilize e reivindique a atenção a princípios e prioridades fundamentais que devem orientar a gestão pública e o uso dos recursos públicos, entre os quais certamente se inclui a proteção integral e integrada à primeira infância.

No entanto, os desafios para a concretização das ações previstas no Marco Legal da Primeira Infância certamente não são pequenos.

Por exemplo, o Marco Legal estabelece que as políticas de apoio às famílias deverão ser operadas de forma intersetorial, integrando ações de saúde, nutrição, educação, assistência social, cultura, trabalho, habitação, meio ambiente, direitos humanos, entre outras, com vistas ao fortalecimento de vínculos familiares e comunitários que favoreçam a proteção e desenvolvimento das crianças pequenas. Na verdade, a atuação integrada e cooperativa entre os diferentes serviços públicos para o atendimento ao público infantil ainda é incipiente ou ausente na ampla maioria dos municípios. O avanço nessa direção precisa ser priorizado pelos gestores públicos. Os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, no interior dos quais estão representadas as principais políticas setoriais referidas no Marco Legal e as instâncias da sociedade civil organizada, são um lugar privilegiado para promover esse avanço e precisam assumir esse objetivo de forma proativa.

Para citar outro desafio, a demanda reprimida por educação infantil ainda é muito grande. Segundo o IBGE, em 2010 apenas 23,6% das crianças de 0 a 3 anos estavam em escolas de educação infantil. Em 2014 esse número era de 29,6%. Trata-se de um índice geral ainda muito pequeno, cujas consequências são especialmente críticas entre famílias de baixa renda e com grau mais elevado de vulnerabilidade. A meta proposta para o ano de 2024 é de 50% de crianças dessa faixa etária incluídas na educação infantil. Na maioria dos municípios os gestores públicos declaram ter grandes dificuldades para ampliar as vagas. Desafios similares para ampliação e qualificação do atendimento à primeira infância também existem nas áreas da saúde, assistência social e outras.

Como dito inicialmente, o país já conta com marcos e documentos orientadores consistentes para os cuidados com a primeira infância. O grande desafio é mobilizar vontades, capacidades e recursos para a concretização das ações previstas em lei.

Acesse aqui o PL 14/2015 que institui o Marco Legal da Primeira Infância

Acesse aqui a síntese do Plano Nacional pela Primeira Infância

Acesse aqui informações sobre o Programa São Paulo Pela Primeiríssima Infância

Acesse aqui o Índice Paulista da Primeira Infância