O conceito de segurança cidadã e os caminhos para a redução da violência

Fabio Ribas
21/02/2017

O livro Ensaios sobre Segurança Cidadã reúne textos do PhD em Ciência Política Paulo de Mesquita Neto, falecido no ano de 2008. Publicada em 2011, esta coletânea de textos não poderia ser mais atual, pois traz reflexões que ajudam a repensar o conceito de segurança pública e estimulam a busca de novos caminhos para o enfrentamento e a prevenção de problemas relacionados à violência.

O livro faz uma importante distinção entre segurança pública como atribuição do Estado e como resultante da forma de convivência em uma sociedade que se pretenda democrática. Mesquita Neto percebia claramente o avanço da crise da segurança pública no Brasil e afirmava que “nesse novo contexto, talvez a melhor estratégia para promover a segurança pública fosse entender a segurança pública não simplesmente como uma função do estado, realizada por agentes públicos, mas como uma condição ou situação de fato, de convivência ordenada, pacífica e tranquila, em uma determinada comunidade ou sociedade”.

De acordo com o autor, para que um país caminhe nessa direção é preciso ampliar a participação da sociedade no planejamento, na execução e no controle das atividades da segurança pública, de forma que os cidadãos e as organizações da sociedade civil assumam sua parcela de responsabilidade na busca de solução dos problemas existentes no setor. Esta seria, segundo ele, uma estratégia “ousada, talvez radical”, mas que precisa ser discutida seriamente diante do notório crescimento da violência e da crise da segurança pública.

Mesquita Neto destaca que o conceito de segurança cidadã tem afinidade com o conceito de direitos humanos, distanciando-se de posições autoritárias que ainda estão presentes em parcelas significativas dos serviços de segurança e da sociedade, e reafirmando “a importância do respeito às regras da democracia e do estado de direito, assim como das organizações do sistema de justiça criminal e da sociedade civil, no desenvolvimento de políticas de segurança em regimes democráticos”.

Outro aspecto importante destacado no livro, e que ainda não tem sido suficientemente focalizado no atual cenário de crise do sistema prisional brasileiro, é a distinção entre estratégias repressivas e estratégias de prevenção do crime e da violência – estas últimas devendo basear-se essencialmente na redução dos fatores que aumentam o risco e no aumento dos fatores que diminuem o risco de violências.

Segundo o autor, na ampla maioria dos municípios brasileiros que não possuem organizações policiais municipais, os governos, com o apoio da sociedade civil, deveriam desenvolver políticas de segurança baseadas em estratégias de prevenção, tais como: programas de mediação e resolução pacífica de conflitos, aplicação adequada e bem planejada de medidas socioeducativas a adolescentes em conflito com a lei, programas de apoio à reinserção na família e na comunidade de adolescentes que cumpriram medidas socioeducativas e de egressos do sistema prisional, qualificação profissional dos presos. Tais programas preventivos devem estar focados não apenas na execução das ações, mas sobretudo na obtenção de resultados tais como a redução da incidência e da reincidência de violências, crimes e danos, e o aumento da segurança dos cidadãos.

Entre as principais e mais problemáticas consequências do aumento da violência e da corrupção, Mesquita Neto inclui não apenas o crescimento da situação de insegurança das pessoas, e o aumento da dificuldade de investigação e punição dos crimes, mas também o fato de que “se torna mais difícil para os cidadãos discernir a diferença entre os regimes autoritários e os democráticos”.

Daí a importância, segundo o autor, da aproximação entre os conceitos de segurança e democracia: em suas palavras, “políticas de segurança pública são democráticas quando são transparentes, subordinadas à lei, respeitosas aos direitos humanos, e direcionadas para atender às expectativas da sociedade”.

Medidas recentemente apresentadas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública para redução da violência no país se inspiram nas reflexões de Mesquita Neto, incluindo, entre outras propostas, o fortalecimento das ações preventivas, a aproximação entre as políticas de segurança e a comunidade, a transparência e a prestação de contas na área da segurança.

Entre os mecanismos de participação da sociedade civil nas questões relacionadas à segurança pública destacam-se os Conselhos Comunitários de Segurança, que são espaços onde os membros de uma comunidade se reúnem para discutir e planejar, em diálogo com agentes públicos, estratégias de enfrentamento dos problemas de segurança. Segundo o IBGE, 480 municípios brasileiros possuíam conselhos desse tipo no ano de 2014. Embora estes 480 municípios correspondam apenas a 8,6% do total de municípios do país, neles viviam, em 2014, cerca de 62 milhões de pessoas, ou seja, mais de 30% da população brasileira.

O livro Instituições participativas no âmbito da segurança pública, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2016, aborda o funcionamento desses conselhos. Os textos do livro são orientados pela seguinte questão: “os conselhos comunitários de segurança pública se configurarão em verdadeiros espaços democráticos, estruturados enquanto instituições participativas efetivas, ou permanecerão como receptáculos de antigas práticas, resistentes às pressões sociais por expansão, democratização e aprimoramento dos serviços de segurança pública”? Esta é certamente uma indagação relevante e oportuna, que se assenta na herança reflexiva de Mesquita Neto.

O município em que você reside possui um ou mais Conselhos Comunitários de Segurança? Se sim, quem participa deles e quais questões e propostas estão sendo discutidas e planejadas pelo conselho? Se não, como articular a criação de um conselho desse tipo em sua comunidade?

Livro: Ensaios sobre Segurança Cidadã
Autor: Paulo de Mesquita Neto
Editora: Quartier Latin do Brasil / Fapesp, 2011

Acesse aqui as propostas do Fórum Brasileiro de Segurança Pública para a redução da violência

Acesse aqui a publicação do IPEA: Instituições participativas no âmbito da segurança pública