Justiça suspende artigos de Resolução do Conanda sobre os Fundos da Criança e do Adolescente

Fabio Ribas
27/03/2017

No ano de 2010 o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) emitiu a Resolução nº 137, dispondo sobre parâmetros para a criação e o funcionamento dos Fundos Nacional, Estaduais e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Buscando promover a ampliação da captação de recursos para esses Fundos, o artigo 12, § 1º, da referida Resolução abriu a possibilidade de que pessoas físicas e pessoas jurídicas possam escolher, dentre as prioridades do Plano de Ação aprovado pelo Conselho, aquela ou aquelas de sua preferência para a aplicação de recursos a serem doados aos Fundos.

Com o mesmo propósito, o artigo 13, § 1º e § 2º da Resolução criou o mecanismo da chancela de projetos, pelo qual o Conselho responsável pela gestão do Fundo pode autorizar organizações não governamentais a buscar recursos junto a pessoas físicas e pessoas jurídicas. A Resolução prevê que, uma vez doados ao Fundo, esses recursos sejam repassados para financiamento de projetos das organizações captadoras, que tenham sido aprovados pelo Conselho. O artigo citado prevê ainda, no seu § 3º, que o Conselho deve reter no Fundo um percentual de, no mínimo, 20% do valor captado pelas entidades chanceladas.

A validade desses artigos foi questionada em 2011 pelo Ministério Público Federal. Desde então, após recurso impetrado pela União Federal/Conanda, o processo judicial vem se arrastando em sucessivas etapas.

O passo mais recente aconteceu em novembro de 2017, quando o Tribunal Regional Federal da 1ª Região suspendeu a validade dos dois artigos citados. Segundo a decisão desse Tribunal, o Estatuto da Criança e do Adolescente delega unicamente aos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente a competência para fixação dos critérios de utilização dos recursos existentes ou que venham a ser encaminhados aos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente, não havendo menção nesse marco legal à possibilidade de extensão daquela delegação a entes privados, sejam eles organizações da sociedade civil ou doadores. Em suma, a decisão do Tribunal se assenta no entendimento de que os artigos 12 e 13 da Resolução 137/2010 do Conanda violam o princípio da legalidade.

Cabe recurso em relação à decisão do Tribunal, que possivelmente estará sendo impetrado pela União Federal/ Conanda.

Caso a decisão do Tribunal Regional Federal seja confirmada por instância superior, normas como as que foram estipuladas no artigos 12 e 13 da Resolução 137/2010 do Conanda só poderão voltar a vigorar se forem instituídas por lei federal. Ou seja, precisariam ser alterados os artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente que atribuem unicamente aos Conselhos a tarefa de gestão dos Fundos. Outra possiblidade é a de que cada ente federativo que entenda pertinente adotar como normas de gestão do Fundo os artigos 12 e 13 da mencionada Resolução criem lei próprias que, preservando a competência de gestão do Fundo por parte do Conselho, estabeleçam condições em que a doação ao Fundo possa ser direcionada para organizações escolhidas pelos doadores, ou criem mecanismo para que organizações da sociedade civil possam captar recursos, via Fundo, para financiamento de seus próprios projetos.

Em minha opinião, as dificuldades subjacentes a essa disputa judicial só serão superadas se os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente forem fortalecidos para que possam elaborar diagnósticos locais periódicamente atualizados, e planos de ação anualmente revisados, que apontem com clareza as prioridades que devem ser financiadas com os recursos que ingressarem em seus respectivos Fundos. Isto permitirá que os Conselhos informem a sociedade e dialoguem com ela e com os potenciais doadores sobre os problemas que precisam atacados, os públicos que precisam ser alcançados e os serviços e programas de ação que precisam ser criados, ampliados ou aprimorados para que os direitos de crianças e adolescentes sejam garantidos. Dispondo de diagnósticos qualificados, elaborados de forma participativa (ou seja, com mobilização e escuta prévia de diferentes segmentos da sociedade), os Conselhos poderão decidir sobre as prioridades mais urgentes a serem perseguidas e imprimir transparência na forma de aplicação dos recursos do Fundo.

Vale lembrar que a própria Resolução 137/2010 do Conanda, cujos artigos 12 e 13 foram suspensos pelo Tribunal Regional Federal, afirma, em seu artigo 9, incisos II e III, que cabe aos Conselhos, na gestão dos Fundos, promover a realização periódica de diagnósticos relativos à situação do público infantojuvenil e do Sistema de Garantia de Direitos, e elaborar planos de ação que considerem os resultados desses diagnósticos e observem os prazos legais do ciclo orçamentário.

Cidadãos e empresas que tenham interesse em participar do processo de escolha das ações a serem financiadas com suas doações, e que valorizem a adoção de critérios qualificados e transparentes para a aplicação dos recursos do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente (que são recursos públicos), valorizarão a existência de bons diagnósticos e o papel dos Conselhos como instâncias democráticas de deliberação. Afinal, foi para exercer tal função que os conselhos foram instituídos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente como mecanismo inovador de gestão de políticas e recursos públicos.

Por seu turno, organizações da sociedade civil que atendem crianças e adolescentes, e que vejam no Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente uma possível fonte de financiamento de suas ações, terão interesse em alinhar da forma mais clara possível suas atividades às diretrizes legais que regulam as políticas públicas. Nesse sentido, cabe destacar que a Lei nº 13.019/2014, instituída para regular parcerias entre a administração pública (nela incluídos os Conselhos de Políticas Públicas) e as organizações da sociedade civil, busca exatamente imprimir transparência e qualidade técnica na formação de parcerias público-privadas que envolvam transferências de recursos.

Segundo essa lei, os Conselhos de Políticas Públicas encarregados da gestão de fundos especiais devem realizar chamamentos públicos divulgando de forma clara as prioridades, objetivos e resultados que devem ser buscados por organizações interessadas em propor projetos que possam ser financiados com os recursos do respectivo fundo público. Por seu turno, as organizações da sociedade civil também podem propor aos Conselhos, por meio de procedimento designado na lei como “manifestação de interesse social”, prioridades a serem perseguidas, o que deverá levar os Conselhos a se pronunciar formalmente sobre a pertinência das propostas e a decidir sobre a abertura de chamamento público para atendimento às demandas da sociedade civil. Em qualquer caso, caberá ao Conselho de Política Pública deliberar sobre a transferência de recursos, sendo que, para tanto, deverá ser demonstrada plena atenção às normas da Lei 13.019/2014, tanto pelo conselho quanto pelas organizações da sociedade civil.

Para que os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente possam exercer a contento seu papel, é necessário que o Poder Executivo, em cada ente da Federação, cumpra sua obrigação legal de fornecer a eles as condições necessárias e suficientes de operação, entre as quais o devido suporte técnico e administrativo para a realização de processos de diagnóstico, planejamento, deliberação sobre prioridades e gestão da aplicação dos recursos do Fundo.

Diante da fragilidade das condições operacionais de muitos Conselhos, os artigos 12 e 13 da Resolução 137/2010 do Conanda foram adotados, em vários contextos, como uma solução paliativa para a manutenção do processo de arrecadação de doações aos Fundos e transferência de recursos para organizações e projetos. Em muitos desses casos, tem sido frequente a ocorrência de incertezas, atrasos, fragilidades e questionamentos na forma de escolha das organizações a serem financiadas e nos procedimentos de repasse dos recursos do Fundo para a execução de ações direcionadas a crianças e adolescentes.

Portanto, estamos uma vez mais diante do desafio de criar condições que promovam um avanço qualitativo no modo de gestão das políticas de garantia dos direitos de crianças e adolescentes.

Acesse aqui cópia do Acórdão com a decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região

Acesse aqui cópia da sentença anteriormente proferida pela 21ª Vara da Justiça, confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região