Entrevista: João Clemente de Souza Neto fala sobre Pedagogia Social

O que é Pedagogia Social? Qual sua importância? Essas são algumas das questões respondidas pelo professor João Clemente de Souza Neto – consultor da Prattein – em entrevista ao VIA blog.

Para o professor, diferentemente de outras pedagogias, que trabalham em cima do fracasso dos indivíduos, a Pedagogia Social busca trabalhar as potencialidades e os atributos.  “Uma pessoa que vive nas ruas pode aprender e ter um saber tão fundamental quanto outras pessoas, desde que alguém a ajude a canalizar suas energias e suas potencialidades”, diz.

Souza Neto é um dos organizadores do livro “Pedagogia Social”, da editora Expressão e Arte.

VIA blog – O que é Pedagogia Social e qual a sua importância?

João Clemente de Souza Neto – Pedagogia Social é uma área do conhecimento que tenta capturar outras formas de conhecimento que ocorrem nos diferentes espaços de aprendizagem que não são a escola. Pode ser no presídio, num espaço de privação de liberdade, num abrigo, numa organização não governamental, numa igreja, num sindicato. São diferentes modalidades de aprendizagem que têm como objetivo erradicar as violações de direitos. Por isso, nós poderíamos dizer que a Pedagogia Social está intimamente ligada com a Doutrina de Proteção Integral, seja do idoso, da criança ou da mulher. Ela tem como foco formar e preparar o educador social, que é o grande cuidador das pessoas que, de uma forma ou de outra, são vítimas de violação de direitos. Mas a Pedagogia Social também tem uma forte atuação na escola, que é reescrever uma outra pedagogia. Costumamos dizer que ela traz na sua entranha um projeto de sociedade, um projeto de educação que valoriza os atributos e potencialidades dos indivíduos, enquanto a Pedagogia Escolar e outras pedagogias sempre se apresentaram em cima do fracasso das pessoas. Uma pessoa que vive nas ruas pode aprender e ter um saber tão fundamental quanto outras pessoas, desde que alguém a ajude a canalizar suas energias e suas potencialidades. É importante, quando pensar em Pedagogia Social, pensar em Paulo Freire. Ele coloca que a questão está na relação oprimido/opressor. Não se pode trocar a pessoa de lugar – ‘Eu fui oprimido ontem e hoje sou opressor’ ou ‘tive os direitos violados e agora sou violador’. Ela trabalha com essa base oprimido/opressor, mas para superá-la, para que um dia ela não exista mais.

 

VIA blog – Como as organizações podem capacitar os funcionários na Pedagogia Social?

Souza Neto – A gente fala que as pessoas não têm formação. Acho isso muito arrogante. Todo mundo tem uma formação. A gente necessita dizer para o outro o que ele precisa saber para desenvolver certas ações. A Pedagogia Social forma o educador a partir da sua praxe, a partir das suas ações concretas. Ela tem metodologias e técnicas para ajudar a pessoa a sistematizar suas histórias, suas experiências e transformar isso num saber qualificado para que possa atender a demanda. Às vezes me perguntam: ‘A escola está preparada para formar um educador para atuar no campo da privação de liberdade?’, ‘A escola está preparada para formar um educador para trabalhar num abrigo?’, ou mesmo para trabalhar numa empresa? Eu digo: ‘sim e não’. Sim, no sentido do conhecimento humanístico, generalista. Não, no ponto de vista do ‘fazer’. Esses outros espaços têm mais condições de ensinar para o ‘fazer’ do que a própria escola. Não há um antagonismo, são competências e possibilidades diferentes. Os nossos programas, todos, têm que ter uma pedagogia. O que falta hoje nos espaços de atendimento é uma proposta pedagógica. Uma instituição que não tem uma pedagogia definida não consegue avançar. Nesses espaços nós nunca nos preocupamos com a proposta pedagógica, sempre ficamos no campo da assistência. É o momento de dar mais força para o campo da pedagogia. E não pode ser a escolar, que está preocupada com o ensino e aprendizagem nos moldes da escola. A Pedagogia Social está preocupada em transformar tudo aquilo que a pessoa tem em atributos, em conhecimento, em formação para ela mesma.

VIA blog – Fala um pouco sobre o livro. O que o leitor deve esperar do livro “Pedagogia Social”?

Souza Neto – Nesse livro, está todas as pessoas que, nos últimos dez anos, pensaram Pedagogia Social no Brasil, como o Antonio Carlos Gomes da Costa, a Maria Stela Graciani, o Roberto da Silva, eu, a Evelcy Monteiro Machado. São pessoas que se dedicaram a pensar numa outra pedagogia, a partir das orientações de Paulo Freire, Enrique Dussel e na perspectiva de Vygotsky e Gramsci. O livro também mostra como os outros países, como Portugal, Alemanha, Espanha, Cuba, Uruguai, pensam a Pedagogia Social. Ele tem teorias e tem relatos. As pessoas trazem a sua história, a sua experiência. Por exemplo, a Stela Graciani é uma educadora que tem tradição com crianças de rua. O Roberto da Silva tem experiência com privação de liberdade, eu tenho experiência com abrigo, o Rogério trabalha com a questão da arte e da cultura.

Letícia Rocha / VIA blog