Entrevista: Combate à corrupção nas esferas público e privada

Dezembro/2013

Corrupção é um tema recorrente na imprensa brasileira. Nos últimos meses, o tema ganhou destaque durante os protestos que ocorreram em todo o País, durante o julgamento dos envolvidos no Mensalão e por conta de denúncias de desvios e pagamentos de propinas nos governos estadual e municipal de São Paulo.

Em entrevista, o diretor executivo da Prattein Fabio Ribas explica quais são os mecanismos internos e externos de controle da corrupção e fortalecimento da democracia.

 

Site Prattein – Que relações existem entre corrupção e democracia?

Fabio Ribas – Pode-se dizer que a corrupção tende a ser tanto mais intensa quanto mais frágil forem os mecanismos de controle social em um país. E o controle social só é efetivo em um Estado Democrático de Direito, onde a lei e a ética estejam garantidas institucionalmente e sejam internalizadas pelas pessoas, onde exista participação popular organizada e acesso a informações.

A crise atual do nosso sistema político-partidário, a alta incidência de episódios de corrupção e as manifestações populares desencadeadas no país a partir de junho mostram que temos muito a caminhar no sentido do fortalecimento de nossa democracia. Como toda crise contém um elemento de oportunidade, vivemos hoje um momento em que a intensificação da corrupção e do mau uso do dinheiro público trazem a oportunidade e, mais do que isso, tornam imperativa a necessidade de fortalecimento da democracia no Brasil.

Talvez se possa afirmar que, hoje, a ação mais decisiva para o avanço de nossa democracia seria promover um maior controle da sociedade sobre os orçamentos públicos.

 

Site Prattein – Quais os caminhos para o avanço nessa direção?

Fabio Ribas – Em primeiro lugar, é preciso que a sociedade organizada mantenha vivo o espírito de participação que presidiu o que de melhor foi registrado nos movimentos que tiveram lugar a partir de junho deste ano. Nada pode substituir a força da participação popular nas ruas, movida pelo sentimento de que a gestão da coisa pública precisa melhorar. As manifestações populares apontam caminhos e é preciso que as instituições democráticas consigam compreender, absorver e dar respostas adequadas às demandas que vêm das ruas.

No entanto, o adequado atendimento das demandas e necessidades requer planejamento. Nesse sentido, a Constituição de 1988 instituiu a figura dos conselhos gestores de políticas públicas, que contam com a participação de representantes da sociedade civil e do governo, e que são um mecanismo teoricamente capaz de oferecer respostas adequadas às necessidades da população. Temos hoje, no Brasil, conselhos desse tipo instalados em praticamente todas as políticas setoriais: saúde, educação, transporte, assistência social, meio ambiente, segurança pública, e outras. Há conselhos voltados a questões fundamentais como o uso e tráfico de drogas, conselhos voltados a processos de gestão pública, tais como gestão fiscal, transparência, etc., conselhos voltados a políticas que devem incidir sobre públicos prioritários, tais como as crianças e adolescentes, os jovens, as mulheres, os idosos. Há também conselhos territoriais, como o recém-criado Conselho Participativo Municipal, que será composto por representantes da sociedade civil eleitos pelos moradores de cada distrito da cidade de São Paulo. E há também conselhos para a gestão de equipamentos públicos, como Unidades Básicas de Saúde e escolas. A maioria desses conselhos deve funcionar de modo paritário, ou seja, com representantes provenientes da sociedade civil e do poder público. Portanto, todos esses conselhos são mecanismos de controle social e planejamento, nos quais a sociedade pode participar do controle do orçamento e da definição das prioridades a atender. Portanto, é preciso que todos compreendam e valorizem o papel desses conselhos no combate à corrupção e, mais do que isto, na melhoria da gestão pública no Brasil. Os conselhos são mecanismos concebidos para que a política de Estado não se confunda com a política de governos e esteja unicamente voltada ao atendimento das necessidades da população.

Então, os movimentos sociais organizados e a atuação dos conselhos que contam com representantes da sociedade civil são elementos de controle externo sobre a gestão e o orçamento públicos.

Mas também é necessário aprimorar o controle interno da corrupção nas instituições públicas e privadas. A intensificação dos casos de corrupção envolvendo agentes públicos atesta que é preciso haver controladorias nos órgãos públicos que sejam capazes de prevenir e combater a corrupção em processos que envolvem transferência de recursos financeiros, compra ou licitação de obras e serviços, cumprimento de obrigações, etc. Essa é a filosofia da Controladoria Geral da União (CGU) – um órgão que deveria ter equivalentes nos Estados e municípios, e que deve ser autônomo e respeitado pelos governos. A expressão usada pela CGU é integridade institucional – algo análogo à integridade do caráter, se estivéssemos falando de pessoas. A analogia é pertinente, pois não há como falar em instituições íntegras sem pessoas íntegras. A integridade depende tanto de procedimentos externos de controle quanto da internalização de valores éticos universais pelas pessoas. Nesse sentido, a CGU elaborou, com o apoio da ONG Transparência Brasil, uma interessante Metodologia de Mapeamento de Riscos de Corrupção , que busca fortalecer a ação preventiva e o compromisso dos agentes públicos com a integridade das instituições em que atuam. Vale lembrar que os Tribunais de Contas também são fundamentais nesse processo, embora nesse caso deva-se falar em controle externo, uma vez que eles não integram a estrutura do Poder Executivo.

Nas empresas privadas, a palavra de ordem para o controle da corrupção é compliance. Essa expressão se refere aos conceitos e procedimentos que as empresas devem adotar para que seus gestores e funcionários cumpram as normas legais e regulamentos que devem reger os negócios e para detectar, evitar ou corrigir inconformidades ou desvios que possam ocorrer – aí incluídos os casos de corrupção. Os procedimentos de compliance são essenciais para o fortalecimento da responsabilidade social das empresas privadas e são uma condição necessária para que a atividade empresarial seja exercida na perspectiva do desenvolvimento sustentável. Estudiosos da área de compliance apontam que o desenvolvimento dos negócios no Brasil não depende só do fortalecimento dos investimentos e da ampliação do mercado de consumidores. Entre os obstáculos que desafiam as potencialidades da economia brasileira está o fato de que o país ocupava em abril deste ano a 69ª posição no índice mundial de percepção de intolerância à corrupção da Transparência Internacional, entre 174 países avaliados, recebendo nota 43 em uma escala máxima de 100.

Finalmente é preciso destacar a importância do Ministério Público na repressão e na prevenção da corrupção, e até mesmo na promoção de processos de conscientização do cidadão sobre a natureza desse problema e as formas de enfrentá-lo.

 

Site Prattein – Em entrevista à revista Istoé Dinheiro (fevereiro de 2012), o especialista britânico Phillip Tarling afirmou que “uma das razões pelas quais as pessoas cometem fraudes é porque elas têm a oportunidade”. Pesquisa recente da consultoria ICTS aponta que quase 40% dos profissionais brasileiros aceitam suborno para beneficiar um fornecedor. O que isto revela acerca dos mecanismos de compliance nas empresas privadas?

Fabio Ribas – Evidentemente revela que muitas empresas não adotam práticas de compliance e de responsabilidade social corporativa. Nesse sentido, é promissor que tenha sido sancionada a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, já apelidada Lei Anticorrupção. Essa lei prevê a possibilidade de punição a pessoas jurídicas em casos de corrupção e atos lesivos à administração pública, e deverá promover a criação ou fortalecimento de setores e procedimentos de compliance nas empresas. Entre os atos lesivos passíveis de penalização incluem-se: prometer ou dar vantagem indevida a agente público, financiar ou patrocinar a prática de atos ilícitos, utilizar de pessoa física ou jurídica interposta para ocultar ou dissimular atos lesivos praticados, fraudar ou impedir de quaisquer maneiras processos licitatórios públicos, obter vantagens indevidas em contratos públicos, entre outros. Espera-se que, posta efetivamente em prática, essa lei contribua para a promoção da transparência e da ética nas relações entre o setor público e o setor privado.

 

Site Prattein – Os conselhos gestores que você mencionou têm funcionado a contento para promover o bom uso do dinheiro público?

Fabio Ribas – A ação dos conselhos ainda é limitada pela incompreensão quanto ao seu papel no processo de democratização e qualificação da gestão pública. Em contextos onde a política é marcada pelo populismo, clientelismo ou patrimonialismo, os conselhos podem se tornar estruturas com pouca influência no aprimoramento das políticas públicas, mecanismos para a implementação de interesses partidários, ou instâncias incapazes de exercer controle sobre o orçamento público.

Mas há uma tendência de mudança dessa tradição. Vou falar de Conselhos que conheço de perto: os Conselhos dos Direitos das Crianças e Adolescentes, e também os Conselhos dos Direitos do Idoso. Esses conselhos são exemplos interessantes, pois administram Fundos Públicos – o Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente e o Fundo dos Direitos do Idoso – que são constituídos por recursos provenientes de várias fontes, inclusive destinações dedutíveis do Imposto sobre a Renda que podem ser efetuadas por empresas e cidadãos que têm imposto a pagar, e que devem ser empregados em serviços e programas voltados a crianças, adolescentes e idosos.

Em muitos municípios os Conselhos da Criança e do Adolescente e os Conselhos do Idoso ainda não exercem efetivo controle sobre os recursos públicos. No entanto, quando se conscientizam que podem e devem exercer tal controle – função que a lei lhes atribui – começam a agir de uma forma que contribui para a melhoria da gestão das políticas públicas em suas áreas de interesse. Tenho acompanhado experiências de Conselhos Municipais que fazem diagnósticos sobre problemas que atingem as crianças, adolescentes e idosos, e desta forma se qualificam para influenciar de forma construtiva as Prefeituras e demandar que os gestores municipais destinem recursos para ações prioritárias voltadas a esses públicos.  Como uma parte dos recursos para essas ações é proveniente de destinações dedutíveis do Imposto sobre a Renda que cidadãos e empresas fazem para os Fundos, os Conselhos cuidam de informar os destinadores sobre o uso dos recursos, o que favorece a participação cidadã e amplia o controle externo sobre o orçamento municipal.

 

Site Prattein – Como as ONGs podem contribuir para o combate à corrupção na gestão pública?

Fabio Ribas – Diferentemente dos conselhos gestores, que em geral são paritários – compostos por membros da sociedade civil e dos governos – as ONGs, como o nome já diz, são uma iniciativa exclusiva da sociedade civil. Sua ação pode ser preciosa para o combate à corrupção. É necessário que se reforce e valorize o papel das ONGs nesse processo, pois alguns casos de corrupção envolvendo ONGs (em geral instituições de fachada, criadas por agentes interessados em usá-las para atividades indevidas) e uma corrente ideológica que insiste em ver nas ONGs um risco de fragilização do poder estatal, terminam por contribuir para que não se reconheça sua importância no fortalecimento da democracia e no combate à corrupção.

Nesse sentido, um bom exemplo são os Observatórios Sociais que hoje atuam em diversos Estados brasileiros. Esse tipo de organização da sociedade civil concretiza um princípio que define a essência das ONGs: elas não apenas conseguem, muitas vezes, chegar onde o Estado não chega, como chegam até mesmo a descortinar a corrupção no interior do próprio Estado. No caso, os cidadãos que atuam nos observatórios sociais têm conseguido constatar fraudes que acontecem em licitações. Buscam acessar documentos (o que hoje é facilitado pela Lei de Acesso à Informação, que faculta a qualquer cidadão o acesso a informações de caráter público) e, com paciência, tentam decifrar os processos subjacentes. Estimativas apontam que em 2012 os observatórios sociais conseguiram impedir que R$305 milhões escoassem dos cofres municipais.

Outro exemplo é a atuação da ONG Amigos Associados de Ribeirão Bonito(AMARRIBO) que, com o apoio da comunidade local, se dedicou ao monitoramento, cobrança e contestação de atos das autoridades municipais. O resultado desse trabalho permitiu que a AMARRIBO publicasse uma interessante cartilha sobre o combate à corrupção nas prefeituras do Brasil .

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Artigo Folha de S. Paulo: Uma parceria público-privada contra a corrupção