Raquel de Freitas e Fabio Ribas
24/02/2017
A aprovação do projeto de lei que reforma o ensino médio já é um fato e sua operacionalização prática precisa, a partir de agora, ser discutida e planejada. Duas questões são fundamentais: como será a implantação da lei pelas Secretarias Estaduais de Educação? As redes escolares terão condições de concretizar as mudanças previstas na reforma? Vale lembrar que os princípios orientadores da reforma se assentam na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), cuja homologação está prevista para 2017.
A reforma propõe flexibilização curricular e implementação do ensino médio em tempo integral em parte da rede. Em tese, os alunos farão as disciplinas obrigatórias – português, matemática, artes, filosofia, sociologia e educação física -, e poderão complementar seu currículo escolhendo um determinado “itinerário formativo”, entre os quais figuram: 1) linguagens e suas tecnologias; 2) matemática e suas tecnologias; 3) ciências da natureza e suas tecnologias; 4) ciências humanas e sociais aplicadas, 5) formação técnica e profissional. O tempo mínimo de permanência na escola aumenta para sete horas diárias em contraposição às cinco horas ofertadas atualmente. É de se prever, contudo, que a efetivação da reforma dependerá das condições de funcionamento dos sistemas públicos de ensino, que apresentam fragilidades e diversidades ao longo do território nacional.
A lista dos desafios para a melhoria da educação brasileira em geral, e do ensino médio em particular, é extensa: índices altos de defasagem idade-série e evasão, ausência de políticas intersetoriais que garantam a permanência dos alunos na escola, baixa valorização da carreira docente, ausência de estratégias consistentes de formação continuada e de qualidade para os professores, entre outros. A reforma do ensino médio não será bem-sucedida se essas questões não forem adequadamente enfrentadas.
Pesquisa realizada pela Confederação Nacional dos Transportes em 137 municípios de 25 unidades federativas apontou que para 58% dos jovens é necessário mudar a grade curricular do ensino médio. 61,4% deles avaliam que o ensino não é atrativo e que a formação técnica profissionalizante deve ser priorizada. Sabe-se, também, que em torno de 40% dos alunos estudam à noite; que cerca de 17% estudam e trabalham; que 1,7 milhão de jovens entre 15 a 17 anos estão fora do ensino médio; que dos cerca de 8 milhões de alunos que se matriculam anualmente no ensino médio, apenas 1,9 milhão chegam a concluir os estudos. Dados como estes precisam ser considerados pelas escolas na reorganização da oferta do ensino médio. É imperativo que as populações locais e os alunos – adolescentes e jovens – sejam ouvidos e participem ativamente do processo de execução da reforma.
Na implementação da reforma, será preciso buscar tanto a melhoria da formação geral dos alunos por meio das disciplinas obrigatórias, quanto o aprendizado de capacidades técnicas fundamentais para inclusão produtiva dos jovens por meio do itinerário de formação profissional. Os egressos do ensino médio terão mais chances de inclusão sustentável no mundo do trabalho se desenvolverem competências técnicas; ao mesmo tempo, o avanço da economia brasileira pressupõe uma melhor qualificação dos trabalhadores. O desafio nessa área não é pequeno: dados do Fundo de População das Nações Unidas revelam que, no mundo, nove em cada dez jovens vivem atualmente em países em desenvolvimento e enfrentam mais obstáculos para inserção na força de trabalho. Dados da Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (PNAD) divulgados recentemente pelo IBGE revelam que, no final de 2016, a taxa de desemprego alcançou 39,7% entre trabalhadores de 14 a 17 anos e 25,9% entre trabalhadores de 18 a 24 anos.
Pesquisa realizada pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Educação Cultura e Ação Comunitária (Cenpec) destacou pontos relevantes a serem considerados na implementação da reforma, como:
– Articulação entre municípios pequenos ou com menos recursos para que sejam implementados itinerários formativos diversificados, proporcionando condições de escolha para os estudantes.
– Conexão com a BNCC, garantindo um padrão comum para todos os alunos, independentemente de sua origem e condição socioeconômica.
– Planejamento do itinerário de formação técnica e profissional que considere as demandas contemporâneas, locais e regionais, para o mundo do trabalho.
– Investimento na formação e na criação de condições de trabalho que atraiam docentes para áreas com escassez de professores, garantindo-se assim a oferta de todos os itinerários.
Cabe destacar que, para que a atual escassez de recursos dos Estados e Municípios não impacte de forma severa o avanço da reforma do ensino médio, a sociedade deve exigir que os gestores públicos administrem os recursos da educação com eficiência e transparência redobradas.
Acesse aqui o projeto de lei que reforma o Ensino Médio, aprovado pelo Senado Federal
Acesse aqui informações sobre a Base Nacional Comum Curricular
Acesse aqui resultados de pesquisa do Cenpec sobre o Ensino Médio
Acesse aqui matéria de interesse sobre a reforma do Ensino Médio