Educação: as causas da evasão escolar

Novembro/2010

Confira entrevista concedida por Fabio Ribas, diretor executivo da Prattein Consultoria em Desenvolvimento Social, ao VIA blog:

O número de crianças e adolescentes fora das salas de aula ainda é grande no Brasil, especialmente no ensino médio – dados recentes divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que cerca de 15% dos adolescentes de 15 a 17 anos não estudavam em 2009.

São muitos os motivos que levam à evasão escolar. Em entrevista ao VIA blog, Fabio Ribas, diretor-executivo da Prattein Consultoria em Desenvolvimento Social, destaca dois fatores importantes que podem levar à evasão escolar: a queda progressiva da qualidade do ensino nas últimas décadas, cujo sintoma mais atual é o desinteresse que os alunos demonstram pela escola, e a necessidade de ajudar na subsistência de famílias de baixa renda – que pressiona crianças e adolescentes a abandonarem a escola em busca de trabalho. “Instala-se essa contradição: como passam a buscar trabalho e renda, muitos adolescentes se afastam da escola”, diz. “Isso pode até funcionar no curto prazo, porém mais adiante vai ser contraditório com a melhoria da qualidade de vida, que depende cada vez mais da escolaridade e da qualificação das pessoas”.

Ribas comenta também a decisão de um juiz de Fernandópolis – que ganhou destaque na mídia na última semana. Ele determinou que uma mãe deveria frequentar as aulas  junto com sua filha, já que a menina não ia à escola. Para Ribas, o mérito do caso foi ter trazido à tona a necessidade de uma discussão mais profunda das questões subjacentes ao fenômeno da evasão escolar. “A medida não será eficaz para superar o problema. Se a escola não se transforma, ficar dentro dela, para essa menina ou para qualquer adolescente que está desmotivado, vai ser insustentável a médio ou até a curto prazo”, diz Ribas.

 

VIA blog – Quais os principais motivos que levam à evasão escolar?

Fabio Ribas – É fato conhecido que a escola vive uma crise de qualidade há muito tempo. No ensino fundamental houve ampliação na cobertura, a ponto de que em muitas regiões do país a universalização do acesso está quase alcançada. Já no ensino médio isso não acontece. Os índices de evasão ainda são muito grandes. A evasão no Ensino Fundamental diminuiu bastante nos últimos anos, embora a qualidade continue muito crítica nesse nível de ensino. Já no Ensino Médio a qualidade em geral é igualmente muito baixa, mas aí esse fator tem sido um dos determinantes da evasão. Para entender esse fenômeno é preciso considerar a mudança estrutural acontecida na educação brasileira nos últimos 50 anos. Uma ampla parcela da população que, no passado, não frequentava a escola pública, passou a frequentá-la sem que o sistema educacional tenha se reorganizado para receber essa clientela de perfil diferente – majoritariamente formada por crianças de baixa renda, pertencentes a famílias de baixa escolaridade, com maior dificuldade de acompanhar a vida escolar dos filhos e, em muitos casos, com condições precárias de subsistência. Na verdade, o que aconteceu nas últimas décadas foi uma democratização quantitativa da educação, não um aprimoramento qualitativo para esse novo desafio de atender as parcelas da população brasileira que ascenderam à escola. Por isso hoje é tão importante uma composição da política educacional com outras políticas setoriais – assistência, saúde, geração de renda etc. – para aumentar a chance de permanência na escola das crianças mais vulneráveis. É preciso também que a escola reestruture seu jeito de atuar e de interagir com os alunos, com as famílias e também com os demais serviços públicos, para atender melhor essa população. Fenômeno semelhante ocorreu com o corpo docente. Os professores hoje têm um perfil muito diverso daqueles que atuavam na escola pública há 30, 40 ou 50 anos atrás.  A categoria dos docentes e a própria profissão de professor vêm passando por mudanças sociais estruturais. Não é apenas uma mudança no nível de qualificação dos professores. Os docentes foram e estão sendo progressivamente recrutados em camadas sociais diferentes daquelas que forneciam  profissionais para o magistério em outros tempos. Esse fato não é um problema em si. A questão é que abriu-se espaço apenas para uma democratização quantitativa do acesso à carreira docente, sem um correspondente esforço do Estado e das políticas públicas para a garantia de condições adequadas de trabalho e formação para os novos professores. Quando a falta de estruturação das escolas se soma à pressão que leva muitos adolescentes a trabalhar para cooperar com a subsistência da família, ou mesmo a encontrar no trabalho (nem sempre legal e decente) um vetor forte de construção de identidade, o resultado é o crescimento da evasão escolar.

 

VIA blog – O que poderia ser feito para deixar a escola mais atrativa?

Fabio Ribas – Esse é um desafio nacional urgente. As avaliações realizadas pelo MEC e por alguns Estados há muito tempo apontam os baixos índices de aprendizado dos alunos, mas os gestores dos sistemas educacionais não têm conseguido manejar de forma integrada o conjunto de fatores que poderiam melhorar a qualidade de ensino. Essa é uma discussão ampla e que envolveria repensar profundamente a política da educação básica, e mesmo a política de formação de professores e gestores escolares. Não se trata apenas de uma discussão pedagógica dos métodos de ensino. Esse ponto deve ser abordado juntamente com a revisão dos processos de formação dos professores, dos recursos financeiros necessários para a garantia de padrões mínimos de qualidade, da estruturação física e tecnológica das escolas, da distribuição geográfica das redes, das formas de gestão e reconhecimento do desempenho das escolas. Ao mesmo tempo, a educação precisa fortalecer vínculos com os demais agentes encarregados de garantir os direitos  da criança e do adolescente. É sabido que a evasão escolar está associada a outros tipos de violências que incidem sobre as crianças, entre os quais o trabalho infanto-juvenil é apenas uma. A evasão escolar frequentemente esconde outras violações, tais como a violência ou negligência doméstica, o envolvimento com drogas, a violência sexual, o aliciamento em atividades criminosas. Isso evidentemente repercute na vida escolar das crianças. As escolas não podem achar que essas questões são apenas da competência do Conselho Tutelar, dos órgãos de segurança ou do Ministério Público. Elas têm igual responsabilidade em reconhecer, notificar e somar forças com outros agentes para prevenir ou combater essas violências.  A evasão escolar em muitos casos é sintoma de outras violações. Por isso, as áreas da segurança, da justiça, da assistência, da saúde e da educação teriam que interagir mais, para que as ações sejam sistêmicas e consigam impactar na vida escolar,  reduzindo a evasão e ampliando a chance de permanência e sucesso da  criança e do adolescente na escola.

 

VIA blog – Decisões como a do juiz de Fernandópolis – que determinou que a mãe de uma menina deveria frequentar a escola com a filha para que ela não faltasse mais – funcionam?

Fabio Ribas – Como o fato foi denunciado e realmente representou uma quebra do direito da menina à educação, a Justiça precisava agir. Esse caso foi importante porque levantou, desta vez de forma polêmica, o debate sobre as condições que devem existir para que o direito à educação seja garantido. Se a escola não se transformar, permanecer dentro dela, para essa menina ou para qualquer criança que esteja desmotivada, será insustentável a médio ou até a curto prazo. A Justiça cumpriu seu papel impondo a restauração do direito. Porém, a forma foi problemática. Hoje começa a ser disseminado o conceito de uma justiça amigável, interativa, mediadora de conflitos, como caminho para a restauração de direitos. Por sua vez, a escola não deve apenas transferir o problema para a Justiça ou para o Conselho Tutelar, porque boa parte do problema está na maneira pela qual ela está atuando. Esse caso aponta para a necessidade de que os agentes do chamado Sistema de Garantia de Direitos – que envolve Conselho Tutelar, Conselho de Direitos, escola, Poder Judiciário, entre outros órgãos – dialoguem em busca de soluções integradas, inclusive mobilizando a família, que é responsável pela manutenção da criança na escola. Acho que o desfecho do caso acabará demonstrando que a imposição funciona num primeiro momento, mas terá pouca eficácia por não tocar na essência do problema. O “juiz” disso tudo será a própria adolescente. Se ela continuar não gostando da escola, não conseguindo compreender a importância dela na sua própria vida, dificilmente a situação vai mudar. Não se trata de culpabilizar ninguém, nem a criança, nem a mãe, nem a própria escola, mas de mudar o patamar de discussão, ir mais fundo na compreensão das razões que geram a evasão. Nesse sentido, o caso de Fernandópolis teve um detalhe interessante. A mãe foi compelida a participar das aulas junto com sua filha e, a certa altura, o dirigente da escola comentou que “qualquer participação da família na escola é positiva”. A participação da família na vida escolar sabidamente é um fator importante para a melhoria da qualidade do ensino. Porém, não é “qualquer” participação que é positiva. Participação positiva é sempre aquela em que a família, compreendendo a importância da educação, passa a ser parceira consciente da escola no desenvolvimento escolar do seu filho e passa a defender e até a reivindicar a melhoria do ensino. Por exemplo, muitas famílias vulneráveis não têm um claro entendimento de que crianças e adolescentes com menor escolaridade e menor qualificação terão, no futuro, piores empregos e nível mais baixo de renda. Essa discussão mais ampla e mais estratégica do significado da educação no desenvolvimento de pessoas e sociedades é uma questão de fundo que, muitas vezes, não é realizada junto àqueles a quem mais ela interessaria. Instala-se então uma contradição: porque é necessário buscar trabalho e renda, a escola é desprezada. Isso pode funcionar no curto prazo, mas no futuro dificultará a busca de um padrão de vida melhor e mais sustentável. Nesse sentido, a participação da família na escola deveria ser mais discutida. As Associações de Pais e Mestres, as comunidades, precisam ser estimuladas a tomar para si a discussão da importância da escola e de como melhorá-la. Se isso acontecer, casos como o de Fernandópolis terão sido positivos.

Letícia Rocha / VIA blog