Decreto que estimula participação social levanta discussão sobre democracia no Brasil

 

Fabio Ribas

junho | 2014


 

Decreto da Presidência da República (nº 8.243, de 23 de maio de 2014) institui a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS), com o objetivo de “fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil”.

O decreto vem num momento em que vivemos uma crise da democracia representativa e dos partidos políticos, em que cresceu a demanda da sociedade por um melhor uso dos recursos públicos.

A promulgação do decreto está gerando debates. Críticas têm sido feitas apontando que ele fomenta a criação de “conselhos populares” cuja atuação conflitaria com as atribuições da Câmara Legislativa e seria prejudicial ao funcionamento da democracia.

Porém, um exame do decreto revela que seu texto (no artigo 6º) faz menção a “conselhos de políticas públicas” – órgãos cuja criação está fundamentada na Constituição Federal de 1988, e que há décadas estão instalados no País. No artigo 10º, o decreto afirma que, ressalvado o disposto em lei, na constituição de novos conselhos de políticas públicas e na reorganização dos já constituídos devem ser observadas, entre outras, a diretriz que determina a presença de representantes eleitos ou indicados pela sociedade civil, preferencialmente de forma paritária em relação aos representantes governamentais. Ou seja, esses conselhos não são apenas populares (no sentido de contarem com representantes do povo), mas devem contar também com a presença de membros do Poder Executivo.

No que se refere às atribuições do Poder Legislativo, pode-se dizer que o decreto não traz implicações que possam restringir de alguma forma o papel que cabe a essa esfera de poder em uma sociedade democrática. Isto porque todas as propostas que emergem dos Conselhos de Políticas Setoriais devem, necessariamente, ser submetidas à apreciação do Poder Legislativo para que sejam aprovadas e passem a constar da Lei Orçamentária da respectiva Unidade da Federação. Na prática, o que seria mais desejável é a efetivação de um amplo diálogo e cooperação entre os Conselhos de Políticas Setoriais e o Poder Legislativo, que possa ajudar a Câmara Legislativa a aprimorar cada vez mais o arcabouço legal de cada setor de política pública.

Na verdade, o Brasil já conta com dezenas de Conselhos Setoriais de Políticas Públicas, que operam em nível Federal, Estadual e Municipal, tais como: Conselho de Educação, Conselho de Saúde, Conselho de Assistência Social, Conselho do Meio Ambiente, Conselho Antidrogas, Conselho de Segurança, Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, Conselho dos Direitos do Idoso, Conselho da Juventude, Conselho da Mulher, Conselho de Transporte, entre outros. São instâncias que podem fazer evoluir o Estado Democrático de Direito na direção da democracia participativa e de uma melhor qualidade de vida para a população. No Brasil, no entanto, nem o Poder Executivo e nem o Poder Legislativo têm revelado, historicamente, uma adequada compreensão e tampouco um efetivo interesse no fortalecimento desses conselhos como mecanismos de aprimoramento da democracia e da qualidade e transparência da gestão pública.

Finalmente, a despeito das considerações acima formuladas, cabe indagar se o decreto em pauta se configura como uma norma de fato necessária, dado que os fundamentos para a existência de Conselhos de Políticas Setoriais paritários já existem na legislação brasileira. Nesse sentido, o decreto talvez seja apenas mais um exemplo do “furor legislativo” que marca a formação política do Estado brasileiro cujas intenções políticas e consequências práticas nem sempre convergem para um projeto efetivo de aprimoramento da nossa democracia.

Leia aqui o decreto na íntegra.