Crise e caminhos de mudança da educação básica no Brasil: a questão dos recursos financeiros

Fabio Ribas | 05/06/2008

Há algum tempo a educação vem aparecendo entre os temas mais debatidos no país. Periodicamente têm sido divulgadas pesquisas e avaliações (com dados nacionais e comparações internacionais) que sistematicamente confirmam a má qualidade da educação brasileira e os baixos níveis de conhecimento e capacidade de amplas parcelas do alunado. 

Exemplo recente vem do município de São Paulo, onde testes aplicados em novembro de 2007 revelaram que 29% dos alunos da 2ª série do ensino fundamental estão com nível crítico de aprendizagem e 14,6% são considerados “não-alfabéticos”. Ao lado do reconhecimento das dificuldades, a Secretaria Municipal de Educação informou um resultado que descreveu como animador: na 8ª série, a média de pontos dos alunos subiu de 226,5 para 241,0 no período compreendido entre 2005 e 2007 (o que significa uma melhoria da ordem de 6,4%). No entanto, a própria Secretaria revelou cautela na interpretação desse pequeno avanço, informando que ele poderia refletir diferenças na aplicação das provas a cada ano, e não uma melhora efetiva no desempenho dos alunos. (1) Com efeito, embora os governos se esforcem para reconhecer sinais de melhoria nas avaliações realizadas, os resultados continuam apontando a permanência de dificuldades graves e a necessidade de mudança exponencial da educação brasileira. Mas como caminhar nessa direção? 

O consenso quanto ao mau desempenho das escolas não tem gerado clara convergência na sociedade quanto à interpretação das causas da crise e quanto ao que fazer para melhorar de forma consistente e sustentável a qualidade da educação no país. Análises correntes apontam para diferentes fatores, tais como a capacitação deficiente e as más condições de trabalho dos professores, a fragilidade do regime de progressão continuada, o número excessivamente alto de alunos por sala de aula, a falta de participação das famílias na escola e tantos outros. A deficiência na gestão dos sistemas educacionais e das escolas vem sendo mencionada em análises mais recentes, redescoberta como fator crítico. 

No ano passado o Governo Federal lançou o “Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE”, que avança alguns passos no sentido da adoção de um enfoque mais amplo e integrado quanto ao que fazer para melhorar a educação; ao mesmo tempo, movimentos como o “Todos pela Educação” sinalizam a fortalecimento do consenso social quanto à necessidade de mudança.  

O que falta, então, para a mudança acontecer? A resposta convencional a essa questão tem sido: vontade política. Podemos acrescentar que a vontade política precisaria ser lastreada em consenso nacional quanto às causas do problema e à necessidade de adoção de uma estratégia sistêmica e integrada de mudança. 

Recursos financeiros da educação básica

Dentre os vários fatores mencionados no debate sobre a crise da educação, um dos mais citados é a carência de recursos financeiros – tema deste primeiro artigo da série “Crise e caminhos de mudança da educação básica no Brasil”.  

Quanto o Brasil investe em seu sistema de educação básica? Os recursos investidos são suficientes ou precisariam ser ampliados para tornar possível a melhoria da qualidade da educação no país? 

Em 2001, um estudo realizado pelo Ministério da Educação (INEP) apontava que “com menos de R$1.000,00 por aluno-ano dificilmente é possível construir uma escola de qualidade, mesmo considerando as diferenças regionais”. (2)  

Estudo realizado em 2006 pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados (3) aponta que o MEC vem obtendo avanços em estudos destinados a apurar o custo-aluno-qualidade e propor critérios para a fixação de valores mínimos nacionais por aluno/ano para os diferentes níveis de ensino. Ao mesmo tempo, afirma que os resultados desses estudos não vêm sendo adequadamente divulgados. 

Compilando dados gerados em diferentes estudos do Ministério da Educação (realizados entre 2001 e 2006), a Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados projetou em aproximadamente R$1.800,00 o custo-aluno/ano de uma escola fundamental de qualidade (para escolas com até 600 alunos e classes entre 25 e 35 alunos).  

Em 2006, o Ministério da Educação divulgou um estudo intitulado “Custo-aluno-qualidade em escolas de educação básica” (4), que apresenta dados sobre o custo de manutenção do ensino e o custo econômico de alunos da educação básica no Brasil. O estudo focalizou 95 escolas, situadas em oito Estados brasileiros, com o objetivo de determinar o custo-aluno padrão de escolas públicas tidas como de qualidade em diversos contextos brasileiros. 

Para contornar variações de qualidade existentes nessa amostra de 95 escolas, esse estudo realizou análise separada para uma subamostra composta por 33 escolas consideradas como sendo de “qualidade especial”. Os resultados mostraram que, em média, o custo-aluno/ano para a amostra de 95 escolas, situou-se em torno de R$2.000. Os dados apontaram que, nessas escolas, o componente principal do custo-aluno foi o custo do pessoal. Para as 95 escolas da amostra, os salários dos professores constituíram 59% do custo total e os salários dos trabalhadores em educação (docentes e demais funcionários) representaram 84% do conjunto. Já para a subamostra de 33 escolas de “qualidade especial”, o custo-aluno/ano foi de aproximadamente R$ 2.500,00. 

Com base nesses dados, os autores afirmaram como evidente a necessidade de uma elevação substancial no nível de dispêndio do ensino público em relação aos valores praticados atualmente. 

Com efeito, essa conclusão parece coerente quando cotejamos os dados do estudo acima citado com os valores estabelecidos à época (2006) pelo FUNDEF para financiamento do Ensino Fundamental. O Censo Escolar (elaborado pelo MEC) informou a existência de 29,8 milhões de alunos matriculados no Ensino Fundamental público em 2006. Considerando-se que, em 2006, a estimativa de recursos previstos no FUNDEF foi de 35,5 bilhões, conclui-se que, em média, podem ter sido investidos no Ensino Fundamental, naquele ano, R$1.190,00 por aluno/ano – menos da metade do valor de R$2.500,00 estimado pelo estudo do MEC como necessário para custear uma escola pública fundamental de “qualidade especial”. Note-se que este é um valor médio. O custo-aluno/ano de uma das escolas públicas de Ensino Médio mais bem colocadas no ENEN em 2006 (cujos resultados foram comparáveis aos das escolas privadas mais bem colocadas) foi estimado, naquele ano, em R$4.000,00. 

Com base nessas estimativas, pode-se afirmar, mesmo correndo o risco de imprecisão, que seria necessário dobrar os recursos financeiros da educação básica pública para se atingir um patamar de financiamento capaz de gerar impacto positivo e generalizado na melhoria da qualidade desse nível de ensino. 

Dados do MEC apontam um valor total do FUNDEB para 2007 (computando-se as contribuições da União, Estados, Distrito Federal e municípios) da ordem de 48,1 bilhões. No quarto ano de vigência do FUNDEB (2010) estima-se que o valor alcançará 55,2 bilhões, o que representará um acréscimo de 55,5% em relação aos recursos do FUNDEF em 2006. Contudo, o número de alunos atendidos passará a 47,7 milhões (o que representará um acréscimo de 60% em relação ao total de alunos contemplados em 2006, visto que o FUNDEB passou a abarcar a Educação Infantil e o Ensino Médio, além do Ensino Fundamental). 

Assim, mesmo com a esperada ampliação de recursos do FUNDEB (em valores absolutos), ainda ficaremos relativamente distantes do patamar de financiamento necessário para gerar um salto substantivo de qualidade na educação. 

Supondo que uma mobilização e consenso políticos da sociedade gerassem a decisão de ampliação significativa dos recursos, a melhoria da qualidade da educação estaria garantida? Provavelmente não, a menos que este fator se articulasse a um conjunto mais amplo e integrado de ações. 

O aumento dos recursos para a educação é condição necessária, mas não suficiente para a mudança. É preciso intervir em outras frentes, dentre as quais uma das mais importantes é a forma de gestão dos recursos. Este tema será abordado em artigo seguinte desta série. 

Notas

(1) Conforme matéria publicada no jornal Folha de São Paulo, em 02/01/2008, pg. c3: “29% dos alunos de 2ª séria da prefeitura não sabem o que lêem”. 

(2) INEP/MEC. Relatório do Grupo de Trabalho sobre Financiamento da Educação. In: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v.82, n. 200/201/202, p. 117-136, jan/dez 2001. 

(3) Câmara dos Deputados. Consultoria Legislativa. Custo Aluno Qualidade. Brasília: maio 2006. 

(4) MEC.INEP. Custo-aluno-qualidade em escolas de educação básica. Brasília, 2006.