Os problemas que atingem as crianças e adolescentes (especialmente nos segmentos mais pobres da população) vêm ganhando proporção tão ampla que o seu adequado enfrentamento figura entre os principais desafios que o Brasil deve vencer para que possa reconhecer-se e ser reconhecido como nação desenvolvida e democrática.
Como ocorre em outras áreas, não falta legislação adequada para que o país possa mudar essa situação.
A Constituição Federal de 1988 introduziu no direito brasileiro um conteúdo e um enfoque próprios da Doutrina de Proteção Integral da Organização das Nações Unidas, trazendo para nossa sociedade os avanços obtidos na ordem internacional em favor da infância e da juventude.
O artigo 227 da Constituição Brasileira afirma:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Superando limitações das leis que, desde o século XIX, procuraram regular a área da infância e da juventude no Brasil inspirando-se em princípios de controle disciplinar, repressão e confinamento, o Estatuto da Criança e do Adolescente (criado em 1990) se baseou no princípio de que todas as crianças e adolescentes têm o direito de viver em comunidades estáveis, que ofereçam condições e oportunidades para o desenvolvimento de suas potencialidades e talentos, e onde seus direitos humanos sejam respeitados. Com isto, apontou caminhos de ação que podem trazer mudanças efetivas na realidade social.
Entre as principais inovações introduzidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, figura a criação dos Conselhos da Criança e do Adolescente − entidades existentes nos níveis nacional, estadual e municipal, compostas, em regime paritário, por representantes do governo e da sociedade civil, cuja função primordial é a construção e implantação das políticas de proteção integral de crianças e adolescentes.
Contudo, a situação dos Conselhos da Criança e do Adolescente ainda é frágil em muitos municípios e Estados brasileiros. Entre as principais dificuldades enfrentadas pelos Conselhos, figuram:
• Incompreensão ou desinteresse dos governos.
• Pouca experiência participativa da sociedade civil em canais de gestão de assuntos públicos.
• Desconhecimento de suas funções por parte da maioria da população.
• Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente tenha 15 anos de existência, a trajetória de vida e experiência prática dos Conselhos pode ser considerada pequena.
Refletindo sobre a condição e as possibilidades dos Conselhos Gestores no Brasil, Maria da Glória Gohn afirma:
“Os conselhos poderão ser tanto instrumentos valiosos para a constituição de uma gestão democrática e participativa, caracterizada por novos padrões de interação entre governo e sociedade em torno de políticas sociais setoriais, como poderão ser também estruturas burocráticas formais, e/ou simples elos de transmissão de políticas sociais elaboradas por cúpulas, meras estruturas para a transferência de parcos recursos para a comunidade, tendo o ônus de administrá-los; ou ainda instrumentos de acomodação dos conflitos e de integração dos indivíduos em esquemas definidos previamente”. (*)
Os Conselhos podem se tornar um dispositivo importante para democratização da gestão de assuntos públicos, aprimoramento das políticas sociais, combate ao desvio de recursos e aumento da transparência na utilização do dinheiro público. Na verdade, em várias cidades brasileiras sua atuação tem sido decisiva para o alcance desses objetivos.
Por isto, tem importância a Resolução nº 105/2005 do CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente -, aprovada em 16 de junho de 2005, que afirma a responsabilidade dos governos em compartilhar decisões e garantir condições necessárias ao pleno funcionamento dos Conselhos. Alguns pontos da Resolução são os seguintes:
– As decisões dos Conselhos de Direitos devem ser respeitadas e consideradas pelos governos e entidades da sociedade civil.
– Não deve haver nenhum tipo de ingerência do governo quando da eleição dos representantes da sociedade civil que, por lei, devem integrar os Conselhos.
– A administração pública tem a responsabilidade de custear despesas de conselheiros com passagens, alimentação e hospedagem para participação em atividades dos conselhos (plenárias, reuniões técnicas, seminários de capacitação etc.).
– A Resolução também apresenta regras para a formulação do Regimento Interno dos Conselhos de Direitos e para o registro de entidades e programas de atendimento nos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente.
É verdade que, no Brasil, a distância entre as leis e a realidade é muito grande. Assim, é difícil imaginar que a Resolução do CONANDA possa, por si só, fortalecer os Conselhos da Criança e do Adolescente. Para que não se torne letra morta, é preciso que as entidades da sociedade civil, as empresas socialmente responsáveis que apóiam programas em benefício de crianças e adolescentes e a sociedade em geral cobrem dos governos uma valorização efetiva dos Conselhos como órgãos co-responsáveis pelas políticas do setor.
(*) Maria da Glória Gohn. Conselhos gestores e participação sociopolítica. São Paulo, Cortez, 2001.