Conhecer para Transformar: uma metodologia para o diagnóstico municipal da situação das crianças e adolescentes

Fabio Ribas | 2011

As políticas sociais para a criança e o adolescente tiveram um grande avanço com a Constituição Brasileira de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990. A descentralização político-administrativa possibilitou a distribuição das competências e definição de complementaridades entre a União, os Estados e os Municípios. A partir daí, passa a ser responsabilidade do município a criação e execução de uma política local de proteção integral para crianças e adolescentes – tarefa que deve contar com a participação ativa do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e do Conselho Tutelar. 

Com atribuições distintas e funcionamentos autônomos, o Conselho de Direitos e o Conselho Tutelar possuem a incumbência comum de dar efetividade às ações governamentais e não-governamentais que concretizam a política municipal de atendimento. Porém, a concretização desse papel é um desafio em aberto e um processo em construção em nossa sociedade. 

Sabe-se que uma das maiores dificuldades para que os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente e os órgãos municipais implantem políticas efetivas de atendimento na área da criança e do adolescente é a ausência de um planejamento bem estruturado, baseado em diagnóstico consistente dos problemas e potencialidades locais, que aponte as principais ameaças e violações dos direitos da criança e do adolescente, identifique territórios e públicos mais vulneráveis e defina programas de ação prioritários, metas a atingir e estratégias coerentes para tanto. Somente assim será possível mobilizar os poderes públicos e a sociedade civil, e justificar de forma inequívoca a necessidade de ampliação dos recursos para esse setor. 

Essa lacuna foi evidenciada por pesquisa realizada em 2006 pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (que contou com a consultoria e apoio operacional da Prattein Consultoria). Naquele ano, apenas 20% dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente instalados no país possuíam diagnóstico documentado sobre os problemas que atingem o público infanto-juvenil e apenas 23% deles haviam formulado um plano de ação documentado para aplicação de recursos no setor. 

Buscando contribuir para a superação da fragilidade dos municípios no planejamento de programas na área da criança e do adolescente, a Prattein desenvolveu a metodologia intitulada “Conhecer para Transformar – Guia para o Diagnóstico Municipal da Realidade da Criança e do Adolescente e a Elaboração de Propostas de Ação”. 

A metodologia foi construída mediante experiência-piloto desenvolvida pela Prattein no município de Colatina-ES. Posteriormente, foi aplicada em um conjunto diversificado de municípios brasileiros: oito municípios elaboraram seu diagnóstico municipal e respectivo Plano de Atendimento em 2007; outros vinte municípios tiveram acesso à metodologia em 2008 para a realização de diagnósticos locais e elaboração de planos de ação municipal e de planos de aplicação de recursos dos respectivos Fundos. 

A metodologia “Conhecer para Transformar” desenvolve capacidades nos Conselhos Municipais para o diagnóstico territorial das necessidades de cada município e definição de prioridades locais. Desta forma, os Conselhos se habilitam a definir ações (programas ou projetos) cuja prioridade seja inconteste. O diagnóstico permite que os Conselhos definam e hierarquizem as necessidades de atendimento em ordem de prioridade e urgência, e que consubstanciem estas prioridades em programas e projetos a serem executados pelas organizações locais (públicas e privadas). As ações definidas como necessárias são comunicadas à rede de atendimento local, que é orientada pelo Conselho para formular propostas de ação sintonizadas com as prioridades enunciadas. 

O processo de diagnóstico se inicia com a análise das fragilidades e potencialidades dos próprios Conselhos como órgãos responsáveis pela formulação de políticas públicas. Na seqüência, os conselheiros fazem a identificação e análise dos problemas ligados à esfera das medidas protetivas e sócio-educativas (aspectos estes que devem ser priorizados para fins de uso dos recursos do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente). Os municípios são orientados a mapear os problemas em sua manifestação territorial, com indicação do grau de prevalência em determinados distritos ou bairros. 

Ao mesmo tempo, os Conselhos são orientados para identificar fragilidades e potencialidades das instituições e programas de suas respectivas redes de atendimento, com o que podem propor ações que considerem (ou busquem ampliar) a capacidade de operação instalada. 

Finalmente, para dar adequada amplitude ao Plano de Atendimento que deverá ser consolidado ao final do processo, a metodologia orienta os Conselhos a analisar a socioeconomia do município e a situação das políticas sociais básicas em nível local (educação, saúde etc.). 

Entre as ações priorizadas nos Planos de Ação e de Aplicação de Recursos dos municípios que vêm realizando o “Conhecer para Transformar” figuram a criação ou aprimoramento de serviços de orientação para famílias vulneráveis, a estruturação ou fortalecimento de programas de tratamento e prevenção de drogadicção e alcoolismo em crianças e adolescentes, a implantação de projetos para busca ativa e oferta de ações sócio-educativas complementares à escola para crianças e adolescentes envolvidas com trabalho infantil, a realização de campanhas de informação associadas à divulgação do “disque-denúncia” para combate ao abuso e exploração sexual, a criação de projetos para acompanhamento e execução de medidas sócio-educativas em meio aberto (advertência, reparação de danos etc.) para adolescentes em conflito com a lei, além de outros. 

Ou seja, esses municípios começam a preencher a lacuna de planejamento que fragiliza as políticas locais, enfraquece a efetividade da aplicação dos recursos financeiros disponíveis e não estimula a sociedade a ampliar sua contribuição aos Fundos Municipais da Criança e do Adolescente. Nesses municípios desencadeia-se um movimento oposto: munidos de propostas claras e bem fundamentadas, os Conselhos se sentem mais capazes de dialogar com os poderes públicos, organizações e empresas locais, com vistas a carrear recursos dos orçamentos públicos e doações privadas para ações capazes de fazer diferença na vida das crianças e adolescentes em situação de risco e de, desta forma, promover o desenvolvimento das comunidades locais.