Comércio justo: novas direções para o desenvolvimento econômico e social

Fabio Ribas | 27/05/2005

A prática do chamado Comércio Justo (Fair Trade) tem origem nos anos 60 na Europa e nos Estados Unidos, quando os consumidores mais conscientes, motivados pelo clima de mudanças sociais e políticas daquele período, começaram a exigir produtos que não fossem fabricados com exploração de mão-de-obra em países do Terceiro Mundo e que tivessem um preço justo. Nos dias de hoje, com o avanço do capitalismo globalizado, o movimento vem ganhando força.

Como se sabe, o capitalismo estruturou-se historicamente a partir de uma lógica competitiva e excludente, fundamentada essencialmente na utilização de todos os meios disponíveis para maximizar lucros.

Essa lógica tende a dividir a economia em vencedores e perdedores. Integram a minoria de vencedores as empresas mais capazes de aproveitar oportunidades e liderar mercados, os gestores e trabalhadores mais qualificados, os consumidores com acesso aos bens e serviços mais sofisticados. A maioria de perdedores ou excluídos inclui as empresas lançadas à informalidade, os empreendimentos fracassados, os trabalhadores de baixa qualificação e sub-remunerados, os desempregados, as amplas parcelas da população que, especialmente no Terceiro Mundo, ficam praticamente excluídas do mercado de consumo.

A tarefa de atenuar ou contrabalançar os conflitos e desigualdades do sistema capitalista coube historicamente ao Estado de Bem-Estar Social. Porém, apenas em alguns países do Primeiro Mundo o Estado de Bem-Estar Social concretizou-se de forma a conseguir exercer esse papel com sucesso. 

Na sociedade globalizada as fronteiras nacionais se apagam, o Estado de Bem-Estar entra em crise até mesmo em países desenvolvidos e o desemprego e a dependência econômica se acentuam nos países periféricos. Ao mesmo tempo, esse contexto favorece o ressurgimento de uma reflexão ética que propõe novos rumos para o desenvolvimento a partir de valores como a democracia participativa, a justiça social e a sustentabilidade. O comércio justo e solidário se insere entre tais propostas.

O comércio justo pode ser compreendido tanto como uma prática econômica alternativa ao modelo de organização da sociedade capitalista, quanto como um movimento de reorganização e aprimoramento ético do sistema capitalista. 

A primeira concepção perdeu viabilidade histórica com o fracasso das economias socialistas. A segunda concepção identifica no próprio desenvolvimento contemporâneo da sociedade capitalista uma tendência para a articulação entre lucratividade e responsabilidade social. Este processo estaria sendo impulsionado pela terceira revolução industrial, que vem gerando uma economia baseada em serviços, informação, conhecimento e redes, e pelo crescimento da pressão da sociedade civil organizada por uma sociedade mais justa e sustentável. Segundo Srour (1998), nesta nova fase o capitalismo assume caráter associativista e passa a depender não apenas do retorno econômico mas, igualmente, do retorno social. 

As práticas do comércio justo exemplificam bem essa tendência, pois buscam “estabelecer relações entre produtores e consumidores baseadas na eqüidade, parceria, confiança e interesses compartilhados, perseguindo objetivos em dois planos: obter condições mais justas para grupos de produtores marginalizados e fazer evoluir as práticas e as regras do comércio com o apoio dos consumidores” (Johnson, 2004).

Algumas características do comércio justo seriam: 
– Conscientização dos produtores para uma atividade transparente e co-responsável na cadeia produtiva e comercial. 
– Criação de condições de capacitação e acesso dos pequenos produtores a informações sobre os mercados. 
– Pagamento de preço justo no recebimento do produto, além de bônus que beneficie toda a comunidade. 
– Organização democrática dos produtores e compartilhamento dos lucros entre associados. 
– Disseminação de formas de produção ambientalmente corretas e estímulo ao consumo responsável. 
– Retorno para o desenvolvimento local, com geração de empregos e aprimoramento de políticas públicas. 
– Articulação entre o mercado local e o mercado de exportação. 

Johnson aponta que o comércio justo guarda relações com a agricultura biológica. O comércio justo sempre foi mais intenso na área de produtos alimentares (café, cacau, mel, chá, frutas etc.). Os métodos de certificação nas duas áreas são semelhantes e muitos produtores buscam demonstrar que, além da qualidade, seus produtos adotam os métodos da agricultura biológica. Porém, há perspectivas de ampliação do comércio justo para setores de serviços. Um exemplo seria o “turismo responsável ou solidário”, baseado em sinergias entre o comércio justo de produtos artesanais ou alimentares, solicitados pelos turistas, e um turismo que seja exercido sem agressões ao meio ambiente e em benefício de populações locais. 

O comércio justo guarda estreita relação com o conceito de consumo consciente, um movimento que, no Brasil, é promovido por organizações como o IDEC e o Instituto Akatu (ver referências eletrônicas). Os consumidores (individuais ou reunidos em associações) são considerados parceiros de práticas comerciais afinadas com o desenvolvimento sustentável. O avanço do comércio justo parece depender fortemente de uma maior conscientização dos consumidores sobre os custos sociais e ambientais da produção. 

Da mesma forma, o comércio justo mantém vínculos com estratégias de desenvolvimento baseadas em APLs – Arranjos Produtivos Locais (formas de compartilhamento de conhecimentos e tecnologias entre empresas de uma mesma cadeia produtiva, ou entre empresas que atuam em um mesmo mercado, que podem fortalecer as próprias empresas e promover o desenvolvimento econômico local). Tanto o comércio justo quanto os APLs supõem a existência de relações de colaboração e confiança entre os agentes econômicos, bem como a aceitação do pressuposto de que o equilíbrio da sociedade deve estabelecer parâmetros para a busca de lucratividade. 

Segundo Jonhson, as marcas registradas internacionais do comércio justo se baseiam em um controle vertical da cadeia de produção e comercialização dos produtos. A atribuição de marcas registradas por produto aplica-se a mercadorias cujas cadeias produtivas e comerciais podem ser objeto de acompanhamento e controle. 

Pesquisa realizada pelo SEBRAE (ver referência eletrônica) afirma que “o Comércio Justo certificado tem crescido a taxas anuais acima de 20%, no período de 1997 a 2003, tendo alcançado, neste último ano, um movimento global em torno de 500 milhões de dólares, em 18 países. Cerca de 800 mil famílias, na África, América Latina e Ásia, foram beneficiadas, e o total do pagamento extra (Premium) somou mais de 38,8 milhões de dólares”. 

A IFAT (International Federation of Alternative Trade) é uma rede mundial voltada ao desenvolvimento do comércio justo. A IFAT conta com mais de 220 organizações em 59 países. Cerca de 65% dos membros estão localizados na Ásia, África e América Latina, e os demais estão espalhados na América do Norte e Europa.

A EFTA (European Fair Trade Association) é uma rede de 12 organizações situadas em nove países europeus (Áustria, Bélgica, França, Alemanha, Itália, Países Baixos, Espanha, Suíça e Reino Unido). Estas entidades importam produtos de Comércio Justo de mais de 600 grupos de produtores da África, Ásia e da América Latina. 

Embora em crescimento, o futuro das práticas de comércio justo dependerá não apenas da adesão das pequenas empresas interessadas no tema, mas também do envolvimento de corporações socialmente responsáveis, que estejam dispostas a conectar tais práticas às suas cadeias produtivas, do comprometimento de governos democráticos com políticas de desenvolvimento local sustentável e da participação de organizações da sociedade civil e consumidores interessados em promover formas mais equilibradas e solidárias de produção e consumo.

Referências bibliográficas
Pierre W. Johnson (Organizador). Comércio justo e solidário. São Paulo, Instituto Pólis, 2004. 
Robert Henry Srour. Poder, cultura e ética nas organizações. Rio de Janeiro, Campus, 1998. 

Referências eletrônicas
IDEC – Parceiro do Consumidor
Instituto Akatu – Pelo Consumo Consciente
Pesquisa SEBRAE sobre Comércio Justo
IFAT – International Federation of Alternative Trade
EFTA – European Fair Trade Association