Caminhos para enfrentamento e prevenção de violências nas escolas

Desde a década de 90 do século passado estudos vêm apontando o crescimento de violências nas escolas. A atual intensificação desse fenômeno torna imperativa a necessidade de que as equipes das escolas sejam capacitadas para identificar riscos, mediar conflitos e prevenir casos de violências.

Casos de bullying (agressões simbólicas e intimidações que ocorrem nas relações entre os alunos e entre estes e os educadores) provocam prejuízos no rendimento dos alunos, estimulam a evasão escolar ou podem gerar consequências ainda mais graves. Já no ano de 2014, pesquisa da APEOESP informava que 40% dos professores e 28% dos alunos da rede escolar estadual de São Paulo diziam ter sofrido algum tipo violência na escola.

O Estatuto da Criança e do Adolescente contém normas que estabelecem a necessidade da preparação de professores e educadores sociais para o reconhecimento de sinais e sintomas de violências que envolvam crianças e adolescentes, e para empregar formas adequadas de atendimento desses casos. Por exemplo, o artigo 70-A do ECA estabelece que os municípios devem atuar de forma integrada para difundir formas não violentas de educação de crianças e adolescentes. O inciso III desse artigo recomenda que os profissionais de educação, saúde e assistência social sejam capacitados para desenvolver competências necessárias à prevenção, à identificação de evidências, ao diagnóstico e ao enfrentamento de todas as formas de violência envolvendo crianças e adolescentes.

Mais recentemente, a Lei 13.431/2017 definiu a necessidade de adoção, por parte dos agentes do Sistema de Garantia de Direitos, do “procedimento de escuta especializada” de crianças e adolescentes, que possibilite o reconhecimento, registro e comunicação de sinais ou ocorrências de violências. No âmbito dessa lei, a escuta especializada é conceituada como uma forma de entrevista sobre uma situação de violência contra criança ou adolescente, no intuito de garantir a proteção e o cuidado da vítima. O Decreto 9.603/2018, que regulamentou essa lei, define a escuta especializada, em seu artigo 19, como procedimento que tem por objetivo “a superação das consequências da violação sofrida, limitado ao estritamente necessário para o cumprimento da finalidade de proteção social e de provimento de cuidados.” O referido Decreto também menciona, em seu artigo 27, que “os profissionais do sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência participarão de cursos de capacitação para o desempenho adequado de suas funções.”

Cabe destacar que formas de escuta qualificada de alunos e professores devem ser exercidas cotidianamente por profissionais como psicólogos e assistentes sociais que vierem a integrar a equipe escolar. A Lei 13.935/2019 estabeleceu, em seu artigo 1º, que as redes públicas de educação básica devem contar com serviços de psicologia e de serviço social para atender às necessidades e prioridades definidas pelas políticas de educação, por meio de equipes multiprofissionais. O parágrafo 1º desse mesmo artigo estabelece que essas equipes multiprofissionais deverão desenvolver ações para a melhoria da qualidade do processo de ensino-aprendizagem, com a participação da comunidade escolar, atuando na mediação das relações sociais e institucionais. O fato de que essa seja uma função central de psicólogos e assistentes sociais que atuam nas escolas não reduz a necessidade de que os professores também estejam preparados para ouvir os alunos e dialogar de forma adequada com eles.

Ao lado da capacitação dos educadores e demais profissionais das escolas, o enfrentamento estrutural do problema da violência nas escolas requer a assimilação dessa temática nos planos e práticas pedagógicas das escolas. Escolas que são bem-sucedidas na redução e prevenção das violências desenvolvem estratégias pedagógicas capazes de promover mudanças qualitativas na relação entre os alunos, na participação das famílias e da comunidade nas atividades da escola e no engajamento dos professores e demais funcionários com essa temática. Para tanto, é preciso que a equipe escolar desenvolva uma compreensão ampliada da função educativa, considerando-a não apenas em sua dimensão formal de transmissão de conteúdos, mas como criação de relações de cuidado e atenção para com o outro, e como construção de relações éticas e cooperativas na comunidade escolar.

É certo que se todas as leis acima citadas fossem efetivamente concretizadas, as escolas poderiam atuar de forma mais efetiva no enfrentamento e prevenção de violências. Ocorre que muitas leis que propõem novas e boas práticas ficam apenas no papel.

Há diferentes razões históricas e estruturais na formação da sociedade brasileira que explicam essa distância entre o ideal e o real. No tema em pauta, uma condição estrutural que dificulta a redução das violências nas escolas e, de forma mais ampla, a melhoria da qualidade do ensino, está relacionada às condições de contratação e trabalho dos professores das redes públicas de educação básica. Muitos desses professores têm salários baixos, trabalham em diferentes escolas, em períodos variados, com grandes turmas de alunos, chegando, às vezes, a exercer outras atividades laborais em horários extras para complementar sua renda. Isto dificulta bastante a formação de um vínculo estável e qualificado dos docentes com as escolas em que atuam e com os alunos e comunidades locais.

Cabe então aos gestores públicos avaliar, rever e buscar reorganizar os fatores funcionais e estruturais necessários para que as escolas possam ter, cada vez mais, condições de promover o desenvolvimento do público infantojuvenil e do País. Por exemplo, o ideal seria que cada professor concentrasse seu tempo de trabalho em uma única escola, com o que poderia ampliar seu conhecimento sobre a realidade local e fortalecer seus vínculos com a comunidade escolar.

Finalmente, é necessário considerar o desafio de escolas que estão situadas em bairros ou territórios marcados pelo tráfico e pela criminalidade. Informações levantadas pela Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar em 2016, realizada com base em uma ampla amostra de estudantes de todo o País e publicadas no 10º Anuário de Segurança Pública, apontaram que a metade dos alunos do 9° ano do ensino fundamental estuda em escolas localizadas em áreas de risco de violências. Essa situação pode ter se agravado nos últimos anos.

Especialmente nesses contextos é preciso ir além da ideia de que a solução do problema da violência se limita à introdução de agentes da polícia nas escolas, ou mesmo à adoção de novas práticas de convivência no interior das escolas. A política educacional deve articular esforços com outras políticas setoriais, entre as quais a política de segurança pública. Esta política, contudo, deve exercitar e buscar disseminar o conceito de “segurança cidadã”, segundo o qual a segurança pública não deve ser entendida apenas como uma função do estado, realizada apenas por agentes públicos, mas como a busca de convivência ordenada e pacífica em uma determinada comunidade, cuja concretização depende do envolvimento progressivo de moradores, representantes, associações e empresas existentes em cada localidade.

Acesse aqui: Cartilhas sobre como enfrentar a violência e promover a cultura de paz nas escolas

Acesse aqui o artigo: Como enfrentar a violência nas escolas – Caminhos para prevenção do bullying e promoção da cultura da paz

Acesse aqui o artigo: O conceito de segurança cidadã e os caminhos para a redução da violência