Violências contra crianças e adolescentes: reconhecimento de sinais e sintomas

Violências domésticas contra crianças e adolescentes são um fenômeno frequente. Estudos sugerem que nos últimos anos este problema tem se tornado mais frequente.

Em 2017 o Data SUS registrou 126.230 casos de violência contra crianças e adolescentes, sendo 10% contra menores de quatro anos. Destes, 72.498 casos ocorreram na casa da vítima.

Segundo o Ministério dos Direitos Humanos, em 2019 quase 90% dos casos de violência sexual aconteceram no ambiente familiar.

Relatório de 2020 da Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que uma em cada duas crianças sofre algum tipo de violência a cada ano, e que cerca de 300 milhões no mundo são alvo de violência física ou violência psicológica por parte dos responsáveis.

O trabalho infantil é outro tipo de violação que muitas vezes está associada a negligência doméstica ou às condições de vida de famílias vulneráveis e pobres, cujos filhos são estimulados a trabalhar ou se engajam por decisão própria em situações de trabalho. Estudos apontam que o número de crianças e adolescentes de 7 a 14 anos exercendo algum tipo de trabalho infantil pode ser cerca de sete vezes maior do que apontam as estatísticas oficiais.

Há indícios da existência de grande subnotificação dos casos de violência doméstica, violência sexual e trabalho infantil. Violências que acontecem no espaço intrafamiliar são mais difíceis de serem reconhecidas e notificadas.

Esses dados apontam para a necessidade de que organizações e profissionais que atendem crianças e adolescentes estejam preparados para reconhecer sinais e sintomas de violências que são cometidas contra esse público e para disseminar formas adequadas de cuidado nas comunidades e municípios em que atuam.

As bases legais que estabelecem a necessidade de adoção qualificada dessas práticas estão contidas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):

– ECA, artigo 11, parágrafo 3º: os profissionais que atuam no cuidado diário ou frequente de crianças na primeira infância devem receber formação específica e permanente para a detecção de sinais de risco para o desenvolvimento psíquico, bem como para o acompanhamento que se fizer necessário.

– ECA, artigo 17: o direito das crianças e dos adolescentes à liberdade, ao respeito e à dignidade pressupõe a sua não exposição a fatos ou situações que prejudiquem sua integridade física, psíquica e moral. Ainda de acordo com este artigo, a garantia dessa integridade abrange a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, das ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais das crianças e dos adolescentes.

– ECA, artigo 18-A: crianças e adolescentes têm o direito de serem educados e cuidados por familiares, responsáveis, ou por qualquer pessoa, sem serem submetidos a castigo físico ou tratamento cruel ou degradante adotados por familiares ou por quaisquer pessoas ou agentes como pretensas formas de correção, disciplina ou educação.

– ECA, artigo 70-A: os municípios (aí incluídas as organizações de atendimento) devem atuar de forma integrada para coibir o uso de práticas de castigo ou tratamento degradante, e para difundir formas não violentas de educação de crianças e adolescentes. O inciso III desse mesmo artigo recomenda que os profissionais de saúde, educação e assistência social sejam capacitados para desenvolver competências necessárias à prevenção, à identificação de evidências, ao diagnóstico e ao enfrentamento de todas as formas de violência contra crianças e adolescentes. O inciso VI recomenda que as organizações e seus profissionais planejem ações voltadas ao apoio e orientação às famílias que se encontrem em situação de violência. E o artigo 70-B estabelece que as entidades de atendimento às crianças e aos adolescentes devem possuir em seus quadros profissionais capacitados para reconhecer e comunicar ao Conselho Tutelar suspeitas ou casos de maus-tratos praticados contra crianças e adolescentes.

Mais recentemente, a Lei 13.431/2017 definiu a necessidade de adoção, por parte dos agentes do Sistema de Garantia de Direitos, de procedimentos de observação e escuta especializada de crianças e adolescentes para reconhecimento, registro e comunicação de sinais (físicos, comportamentais ou sociais) de riscos ou violações.

Os Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente têm como atribuições fundamentais diagnosticar a incidência de violências contra crianças e adolescentes em cada município e priorizar ações que qualifiquem as organizações de atendimento para a adoção das práticas prescritas nos marcos legais.

Os Conselhos de Direitos devem promover formas de trabalho em rede e articulação intersetorial que envolvam organizações e serviços existentes em seus municípios. O trabalho em rede deve ser orientado por protocolos que articulem as ações de reconhecimento de sinais de violências, encaminhamento de denúncias, avaliação dos casos, atendimento integrado, acompanhamento da evolução dos casos e aferição da restauração de direitos que tenham sido violados. Só assim será possível um avanço efetivo no enfrentamento e prevenção de violências contra crianças e adolescentes.